A Série "O Reino de Deus" faz parte do capítulo 04 do Livro "A Bíblia e o Futuro" de Anthony Hoekema. Estarei postando este capítulo de forma fracionada por entender que realmente há uma necessidade de uma maior compreensão do Reino de Deus tanto no presente quanto no porvir.
Aquele que crê em Jesus Cristo, portanto, faz parte do
Reino no tempo presente, desfruta de suas bênçãos e compartilha de suas
responsabilidades. Ao mesmo tempo, ele percebe que o Reino é presente agora,
apenas um estado provisório e incompleto, e por causa disso, ele aguarda por
sua consumação final no fim da era. Pelo fato de o Reino ser tanto presente
como futuro, podemos dizer que ele, agora, está escondido de todos, exceto
daqueles que têm fé em Cristo; um dia, entretanto, ele será totalmente
revelado, de forma que até seus inimigos terão, finalmente de reconhecer e
curvar-se perante seu governo. Este é o destaque na parábola do fermento, em Lc
13.20-21. Quando o fermento (ou levedura) é colocado na farinha, nada parece
acontecer por um momento, mas ao final toda a massa está fermentada. De maneira
semelhante, o Reino de Deus está escondido agora, fazendo sua influência ser
sentida silenciosa mas penetrantemente, até que um dia surgirá a céu aberto
para ser visto por todos. Portanto, o Reino, em seu estado presente, é objeto
de fé, não de vista. Mas quando a fase final do Reino for instaurada pela
segunda vinda de Jesus Cristo, “todo joelho se dobrará e toda língua confessará
que Jesus Cristo é o senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.11).
O fato de o Reino de Deus estar presente num sentido e
ser futuro em outro implica que permanece um certa tensão entre estes dois
aspectos. Podemos descrever esta tensão em duas formas: (1) A Igreja deve viver
com um senso de urgência, percebendo que o fim da história, como o conhecemos,
pode estar bem próximo. Porém, ao mesmo tempo, ela deve continuar a planejar e
trabalhar por um futuro nesta terra presente, que pode durar um longo período.
(2) A Igreja foi alcançada pela tensão entre a era presente e a era por vir.
Conforme Georg Ladd pondera: “A Igreja experimentou a vitória do Reino de Deus;
e, mesmo assim, a Igreja está, como outros homens, à mercê dos poderes deste
mundo... É esta situação que cria a austera tensão - na verdade, um conflito
agudo; porque a Igreja é o ponto focal do conflito entre o bem e o mal, Deus e
Satanás, até o fim dos tempos. A Igreja nunca pode estar descansando ou
facilitando, mas precisa ser sempre a Igreja em luta e conflito, freqüentemente
perseguida, mas certa da vitória última” 25.
Já observamos que a escatologia Neotestamentária deve
ser comentada em termos do que já foi realizado e, também, em termos do que
ainda deve ser realizado e, por causa disso, toda a teologia do Novo Testamento
é marcada pela tensão entre o já e o ainda não 26. Podemos agora perceber que esta tensão está
ilustrada e exemplificada pelo ensino neotestamentário acerca do Reino de Deus.
Nós estamos no Reino e, mesmo assim, aguardamos sua manifestação completa; nós
compartilhamos de suas bênçãos mas ainda aguardamos sua vitória total; nós
agradecemos a Deus por ter-nos trazido para o Reino do filho que ele ama, e
ainda assim continuamos a orar: “Venha o teu Reino”.
Quais são algumas das implicações, a nível de fé e
vida, do fato de o Reino de Deus estar presente conosco agora e estar destinado
a ser revelado em sua totalidade na era porvir?
Em primeiro lugar, podemos observar que somente Deus pode nos colocar
nos Reino. Deus nos chama para o seu Reino (1 Ts 2.12), dá-nos o Reino
(Lc 12.32), traz-nos para o Reino do seu Filho (Cl 1.13), e nos confia o Reino
(“E eu [Cristo] vos confio um Reino, assim como meu Pai confiou um Reino a
mim”, Lc 22.29, NIV). De passagens deste tipo aprendemos que pertencer ao Reino
de Deus não é uma conquista humana mas um privilégio que nos é concedido por
Deus.
Mas este fato não nos livra de responsabilidade em
relação ao Reino. Notaremos, mais adiante, que o Reino de Deus exige, de
nós, arrependimento e fé. Em várias ocasiões Jesus disse que nós
precisamos entrar no Reino de Deus. Só se pode entrar no Reino
humilhando-se a si mesmo como uma criança (Mt 18.3 e 4) 27, fazendo
a vontade do Pai dos céus (Mt 7.21), ou tendo uma justiça que excede à dos
escribas e fariseus (Mt 5.20). É difícil para um homem rico entrar no Reino de
Deus (Mc 10.25), presumivelmente porque ele é tentado a confiar mais em suas
riquezas do que em Deus. A não ser que renasçamos ou nasçamos do Espírito, não
podemos entrar no Reino de Deus (Jo 3.3 e 5). Somente Deus pode fazer alguém
renascer; e dessa forma o ponto no qual a mensagem do Evangelho atinge o
ouvinte é a intimação para crer: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira, que
deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna”(Jo 3.16).
O Reino de Deus, na verdade, demanda nada menos que
compromisso total. Nós devemos, assim disse Jesus, buscar primeiro o Reino
de Deus e sua justiça, confiando em que, assim fazendo, todas as outras coisas
de que necessitamos nos serão dadas (Mt 6.33). Nós temos de, por assim dizer,
vender tudo o que temos para adquirir o Reino (Mt 13.44,45). Para permanecer no
Reino, devemos estar prontos para arrancar fora o olho que nos faz tropeçar (Mt
29) e cortar fora a mão que nos faz pecar (Mt 5.30). devemos estar dispostos a
odiar, se necessário, pai, mãe, irmão, irmã, e mesmo nossas próprias vidas por
amor do Reino (Lc 14.26). Devemos estar prontos a renunciar a tudo o que temos
para sermos discípulos de Jesus (Lc 14.33). Em outras palavras, ninguém deve
buscar entrar no Reino a não ser que tenha calculado minuciosamente os custos
(dessa decisão) (Lc 14.28-32).
Mais outra implicação da presença do Reino poder ser
acrescentada: o Reino de Deus implica redenção cósmica. O Reino de Deus, como já vimos, não significa
apenas salvação de certos indivíduos, nem mesmo a salvação de um grupo
escolhido de pessoas. Significa nada menos do que a renovação completa de todo
o cosmos, culminando nos novos céus e nova terra. Paulo descreve as dimensões
cósmicas do Reino de Deus em palavras inspiradas:
“[Deus]
em toda a sabedoria e prudência, desvendando-nos o mistério da sua vontade,
segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na
dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as
da terra” (Ef 1.8-10).
“Porque
Deus se agradou em ter toda sua plenitude habitando nele [Cristo], e em através
dele reconciliar consigo mesmo todas as coisas, sejam coisas na terra ou coisas
no céu, ao fazer a paz através de seu sangue, vertido na cruz” (Cl 1.19,20,
NIV).
“A
ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a
criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que
a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da
corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.19-21).
Ser um cristão do Reino, portanto,
significa que devemos ver toda a vida e toda a realidade à luz do alvo da
redenção do cosmos. Isto implica, como Abraham Kuyper uma vez falou, que não há
nenhuma polegada do universo da qual Cristo não diga: “É minha”. Isto implica
uma filosofia da história cristã: toda a história deve ser vista como o
desenvolvimento do propósito eterno de Deus. Esta visão do Reino inclui uma
filosofia cristã da cultura: a buscar seu louvor. Isso também inclui uma visão
cristã da vocação: todas as chamadas são de Deus, e tudo o que nós fazemos na
vida cotidiana deve ser feito para louvor de Deus, seja estudo, ensino,
pregação, negócios, indústria ou trabalho doméstico. George Herbert o coloca
bem:
“Ensina-me, meu Deus e Rei,
a te ver em todas as coisas,
e que, em qualquer coisa que eu fizer,
a fazê-lo como para ti.
Notas
25. Ladd, Presence, p. 338.
26. Ver acima.
27. Cp. também Mc 10.15 e a passagem paralela, Lc
18.17.
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