A produção confessional reformada do
século 16 atingiu o seu ponto culminante em 1563, com a publicação do Catecismo
de Heidelberg. Todavia, alguns dos documentos doutrinários mais
significativos da tradição calvinista somente seriam elaborados no século
seguinte, a começar com os Cânones do Sínodo de Dort, na Holanda. A
fé reformada teve grande aceitação nos Países Baixos a partir da década de
1550. Na mesma época em que os holandeses lutavam contra a Espanha por sua
independência, surgiu a Igreja Reformada Holandesa (1571), que não tinha uma
identidade teológica claramente definida. Foi nesse contexto que, alguns anos
mais tarde, surgiu a controvérsia arminiana. A partir de 1588, Jacó Armínio
(1560-1609), um pastor que havia estudado com Teodoro Beza em Genebra, começou
a questionar a doutrina calvinista da predestinação. Mesmo assim, em 1602 ele
se tornou professor de teologia na Universidade de Leyden, onde enfrentou a
forte oposição de seu colega Francisco Gomaro.
A controvérsia dividiu a nação e se prolongou até 1609, quando Armínio morreu vitimado pela tuberculose. No ano seguinte, seus simpatizantes publicaram a “Remonstrância”, um documento no qual resumiram em cinco pontos a sua rejeição do calvinismo clássico. Com o reinício dos tumultos, o Parlamento convocou um sínodo para resolver a controvérsia. O Sínodo de Dort teve 180 sessões que se estenderam de 13 de novembro de 1618 a 29 de maio de 1619. Os delegados holandeses incluíam 58 pastores e presbíteros enviados pelos sínodos provinciais e cinco teólogos de diferentes academias. Também compareceram 28 teólogos de diversas cidades da Inglaterra, Escócia, Alemanha e Suíça (inclusive de Genebra). Os remonstrantes participaram do sínodo por algum tempo, mas depois foram afastados. Com base nos relatórios das delegações, uma comissão de nove membros redigiu os Cânones, que condenaram as idéias dos arminianos e afirmaram as convicções reformadas.
Os Cânones de Dort abordam cinco tópicos doutrinários em 59 artigos: (1) A predestinação divina; (2) A morte de Cristo e a redenção do homem; (3-4) A corrupção do homem e sua conversão a Deus; (5) A perseverança dos santos. As principais ênfases do documento são as seguintes: Deus elege e reprova não com base na previsão de fé ou incredulidade, mas por sua vontade soberana; a morte de Cristo foi suficiente para todos, mas é eficaz somente para os eleitos; mediante a queda, a humanidade ficou totalmente corrompida; a graça de Deus atua eficazmente para converter os descrentes, embora não o faça por coerção; Deus preserva os crentes de modo que não podem decair totalmente da graça. Essas declarações foram resumidas em algumas expressões conhecidas como “os cinco pontos do calvinismo”: Depravação total, Eleição incondicional, Expiação limitada, Graça irresistível e Perseverança dos santos, cujas iniciais em inglês formam a palavra “Tulip”.
O Sínodo de Dort marcou um importante ponto de transição na história da fé reformada na Holanda. Estabeleceu definitivamente o calvinismo como a teologia da igreja holandesa e também tornou oficiais a Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg. Os cânones, que foram assinados por todos os delegados, expressaram o consenso de uma significativa diversidade teológica e representaram o triunfo de um calvinismo moderado, sendo considerados uma das melhores expressões da ortodoxia protestante.
1 http://www.mackenzie.com.br/7057.html
O Sínodo de Dort
O Sínodo de
Dort (também conhecido como o Sínodo de Dordt ou Sínodo de Dordrecht) foi um
sínodo nacional que teve lugar em Dordrecht, na Holanda, de1618 a 1619 pela
Igreja Reformada Holandesa, com o objectivo de regular uma séria controvérsia
nas Igrejas Holandesas iniciada pela ascensão doArminianismo. A primeira
reunião do sínodo foi tida a 13 de novembro de 1618 e a última, a 154ª foi a 9
de maio de 1619.1 Foram também convidados representantes com direito de voto
vindos de 8 países estrangeiros. O nome "Dort" era um nome usado na
altura em inglês para a cidade holandesa de Dordrecht.
O sínodo
decidiu pela rejeição das idéias arminianas1 , estabelecendo a doutrina
reformada em cinco pontos: depravação total, eleição incondicional, expiação
limitada, vocação eficaz (ou graça irresistível) e perseverança dos santos.
Estas doutrinas, descritas no documento final chamado Cânones de Dort, são
também conhecidas como os Cinco pontos do calvinismo.
CAPÍTULO
1
A
DIVINA ELEIÇÃO E REPROVAÇÃO
1. Todos
os homens pecaram em Adão, estão debaixo da maldição de Deus e são condenados à
morte eterna. Por isso Deus não teria feito injustiça a ninguém se Ele tivesse
resolvido deixar toda a raça humana no pecado e sob a maldição e condená-la por
causa do seu pecado, de acordo com estas palavras do apóstolo: "... para
que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus... pois todos
pecaram e carecem da glória de Deus...", e:"...o salário do pecado é
a morte..." (Rom. 3:19,23; 6:23).
2. Mas
"Nisto se manifestou o amor de Deus em nós, em haver Deus enviado o seu
Filho unigênito ao mundo...", "...para que todo o que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna." (I Jo 4:9; Jo 3:16).
3. Para que os homens sejam conduzidos
à fé, Deus envia, em sua misericórdia, mensageiros desta mensagem muito alegre
a quem e quando Ele quer. Pelo ministério deles, os homens são chamados ao
arrependimento e à fé no Cristo crucificado. Porque "...como crerão
naquele de quem nada ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como
pregarão se não forem enviados?..." (Rom. 10:14, 15).
4. A ira de Deus permanece sobre
aqueles que não crêem neste Evangelho. Mas aqueles que o aceitam e abraçam
Jesus, o Salvador, com uma fé verdadeira e viva, são redimidos por Ele da ira
de Deus e da perdição, e presenteados com a vida eterna (Jo 3:36; Mc 16:16).
5. Em Deus não está, de forma alguma, a
causa ou culpa desta incredulidade. O homem tem a culpa dela, tal como de todos
os demais pecados. Mas a fé em Jesus Cristo e também a salvação por meio dEle
são dons gratuitos de Deus, como está escrito: "Porque pela graça sois
salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus..." (Ef 2:8).
Semelhantemente, "Porque vos foi concedida a graça de..." crer em
Cristo (Fp 1:29).
6. Deus dá nesta vida a fé a alguns
enquanto não dá a fé a outros. Isto procede do eterno decreto de Deus. Porque
as Escrituras dizem que Ele "...faz estas cousas conhecidas desde
séculos." e que Ele "faz todas as cousas conforme o conselho da sua
vontade..." (Atos 15:18; Ef 1:11). De acordo com este decreto, Ele graciosamente
quebranta os corações dos eleitos, por duros que sejam, e os inclina a crer.
Pelo mesmo decreto, entretanto, segundo seu justo juízo, Ele deixa os
não-eleitos em sua própria maldade e dureza. E aqui especialmente nos é
manifesta a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa distinção entre os
homens que estão na mesma condição de perdição. Este é o decreto da eleição e
reprovação revelado na Palavra de Deus. Ainda que os homens perversos, impuros
e instáveis o deturpem, para sua própria perdição, ele dá um inexprimível
conforto para as pessoas santas e tementes a Deus.
7. Esta eleição é o imutável propósito
de Deus, pelo qual Ele, antes da fundação do mundo, escolheu um número grande e
definido de pessoas para a salvação, por graça pura. Estas são escolhidas de
acordo com o soberano bom propósito de sua vontade, dentre todo o gênero
humano, decaído pela sua própria culpa de sua integridade original para o
pecado e a perdição. Os eleitos não são melhores ou mais dignos que os outros,
porém envolvidos na mesma miséria dos demais. São escolhidos em Cristo, quem
Deus constituiu, desde a eternidade, como Mediador e Cabeça de todos os eleitos
e fundamento da salvação. E, para salvá-los por Cristo, Deus decidiu dá-los a
Ele e efetivamente chamá-los e atraí-los à sua comunhão por meio da sua Palavra
e seu Espírito. Em outras palavras, Ele decidiu dar-lhes verdadeira fé em
Cristo, justificá-los, santificá-los, e depois, tendo-os guardado poderosamente
na comunhão de seu Filho, glorificá-los finalmente. Deus fez isto para a
demonstração de sua misericórdia e para o louvor da riqueza de sua gloriosa
graça. Como está escrito: "... assim como nos escolheu nele, antes da
fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor
nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo,
segundo o beneplácito [bom propósito] de sua vontade, para louvor da glória de
sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado...". E em outro
lugar: "E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a
esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou"
(Ef 1:4-6; Rom 8:30).
8. Esta eleição náo é múltipla, mas ela
é uma e a mesma de todos os que são salvos tanto no Antigo Testamento quanto no
Novo Testamento. Pois a Escritura nos prega o único bom propósito e conselho da
vontade de Deus, pelo qual Ele nos escolheu desde a eternidade, tanto para a
graça como para a glória, assim também para a salvação e para o caminho da
salvação, o qual preparou para que andássemos nEle (Ef 1:4,5; 2:10).
9. Esta eleição não é baseada em fé
prevista, em obediência de fé, santidade ou qualquer boa qualidade ou
disposição, que seria uma causa ou condição previamente requerida ao homem para
ser escolhido. Mas a eleição é para fé, obediência de fé, santidade, etc.
Eleição, portanto, é a fonte de todos os bens da salvação, de onde procedem a
fé, a santidade e os outros dons da salvação, e finalmente a própria vida
eterna como seus frutos. É conforme o testemunho do apóstolo: Ele "...nos
escolheu..." (não por sermos mas) "...para sermos santos e
irrepreensíveis perante ele..." (Ef 1:4).
10. A causa desta eleição graciosa é
somente o bom propósito de Deus. Este bom propósito não consiste no fato de
que, dentre todas as condições possíveis Deus tenha escolhido certas qualidades
ou ações dos homens como condição para salvação. Mas este bom propósito
consiste no fato de que Deus adotou certas pessoas dentre da multidão inteira
de pecadores para ser a sua propriedade. Como está escrito: "E ainda não
eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal...já lhe fora dito
a ela (Rebeca): O mais velho será servo do mais moço. Como está escrito,
"Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú." E, "...creram todos os
que haviam sido destinados para a vida eterna." (Rom 9:11-13; At 13:48).
11. Como Deus é supremamente sábio,
imutável, onisciente, e Todo-Poderoso, assim sua eleição não pode ser cancelada
e depois renovada, nem alterada, revogada ou anulada; nem mesmo podem os eleitos
ser rejeitados, ou o número deles ser diminuído.
12. Os eleitos recebem, no devido
tempo, a certeza da sua eterna e imutável eleição para salvação, ainda que em
vários graus e em medidas desiguais. Eles não a recebem quando curiosamente
investigam os mistérios e profundezas de Deus. Mas eles a recebem, quando
observam em si mesmos, com alegria espiritual e gozo santo, os infalíveis
frutos de eleição indicados na Palavra de Deus - tais como uma fé verdadeira em
Cristo, um temor filial para com Deus, tristeza com seus pecados segundo a
vontade de Deus, e fome e sede de justiça.
13. A consciência e a certeza desta
eleição fornecem diariamente aos filhos de Deus maior motivo para se humilhar
perante Deus, para adorar a profundidade de sua misericórdia, para se
purificar, e para amar ardentemente Aquele que primeiro tanto os amou. Contudo
absolutamente não é verdade que esta doutrina da eleição e a reflexão na mesma
os façam relaxar na observação dos mandamentos de Deus ou rendam segurança
falsa. No justo julgamento de Deus isto ocorre freqüentemente àqueles que se
vangloriam levianamente da graça da eleição, ou facilmente falam acerca disto,
mas recusam andar nos caminhos dos eleitos.
14. A doutrina da divina eleição,
segundo o mui sábio conselho de Deus, foi pregada pelos profetas, por Cristo
mesmo, e pelos apóstolos, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento, e
depois escrita e nos entregue nas Escrituras Sagradas. Por isso, também hoje
esta doutrina deve ser ensinada no seu devido tempo e lugar na Igreja de Deus,
para qual ela foi particularmente destinada. Ela deve ser ensinada com espírito
de discrição, de modo reverente e santo, sem curiosa investigação dos caminhos
do Altíssimo, para a glória do santo nome de Deus e consolação vivificante do
seu povo.
15. A Escritura Sagrada mostra e
recomenda a nós esta graça eterna e imerecida sobre nossa eleição,
especialmente quando, além disso, testifica que nem todos os homens são
eleitos, mas que alguns não o são, ou seja, são passados na eleição eterna de
Deus. De acordo com seu soberano, justo, irrepreensível e imutável bom
propósito, Deus decidiu deixá-los na miséria comum em que se lançaram por sua
própria culpa, nao lhes concedendo a fé salvadora e a graça de conversão. Para
mostrar sua justiça, decidiu deixá-los em seus próprios caminhos e debaixo do
seu justo julgamento, e finalmente condená-los e puni-los eternamente, não
apenas por causa de sua incredulidade, mas também por todos os seus pecados,
para mostrar sua justiça. Este é o decreto da reprovação qual não torna Deus o
autor do pecado (tal pensamento é blasfêmia!), mas O declara o temível,
irrepreensível e justo Juiz e Vingador do pecado.
16. Há pessoas que não sentem
fortemente a fé viva em Cristo, nem confiança firme no coração, nem boa
consciência, nem zelo pela obediência filial e pela glorificação de Deus por
meio de Cristo. Apesar disso elas usam os meios pelos quais Deus prometeu
operar tais coisas em nós. Elas não devem se desanimar quando a reprovação for
mencionada nem contar a si mesmos entre os reprovados. Pelo contrário, devem
continuar diligentemente no uso destes meios, desejando ferventemente dias de
graça mais abundante e esperando-os com reverência e humildade. Não devem se
assustar de maneira nenhuma com a doutrina da reprovação os que desejam
seriamente se converter a Deus, agradar só a Ele e serem libertos do corpo de
morte, mas ainda não podem chegar no ponto que gostariam no caminho da piedade
e da fé. O Deus misericordioso prometeu não apagar a torcida que fumega, nem
esmagar a cana quebrada. Mas esta doutrina é certamente assustadora para os que
não contam com Deus e o Salvador Jesus Cristo e se entregaram completamente às
preocupações do mundo e aos desejos da carne, enquanto não se converterem seria
mente a Deus.
17. Devemos julgar a respeito da
vontade de Deus com base na sua Palavra. Ela testifica que os filhos de crentes
são santos, não por natureza mas em virtude da aliança da graça, na qual estão
incluídos com seus pais. Por isso os pais que temem a Deus não devem ter dúvida
da eleição e salvação de seus filhos, que Deus chama desta vida ainda na
infância.
18. Aqueles que reclamam contra esta
graça de eleição imerecida e a severidade da justa reprovação, nós replicamos
com esta sentença do apóstolo: "Quem és tu, ó homem para discutires com
Deus?!" (Rom 9:20). E com esta palavra do Salvador: "Porventura não
me é lícito fazer o que quero do que é meu?" (Mt 20:15). Nós entretanto,
adorando reverentemente estes mistérios, exclamamos com o apóstolo: "O
profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos! Quem,
pois conheceu a mente do Senhor? ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem
primeiro lhe deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele e por
meio dele e para ele são todas as cousas. A ele, pois, a glória eternamente.
Amém." (Rom 11:33-36).
REJEIÇÃO DE ERROS
Havendo explicado a doutrina ortodoxa
de eleição e reprovação, o Sínodo rejeita os seguintes erros:
Erro 1 - A vontade de Deus para salvar aqueles que
crerem e perseverarem na fé e na obediência da fé é o decreto inteiro e total
da eleição para salvação. Nada mais sobre este decreto foi revelado na Palavra
de Deus.
Refutação - Este erro
engana aos simples e claramente contradiz a Escritura. Ela testifica não apenas
que Deus salvará aqueles que crêem mas também que escolheu específicas pessoas
desde a eternidade. Nesta vida Ele dará a estes eleitos a fé em Cristo e
perseverança, que Ele não dá a outros; como está escrito: "Manifestei o
teu nome aos homens que me deste do mundo." (Jo 17:6). "...e creram
todos os que haviam sido destinados para a vida eterna." (At 13:48).
"...como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos
e irrepreensíveis perante ele..." (Ef 1:4).
Erro 2 - Há vários
tipos de eleição divina para a vida eterna. Um é geral e indefinido, e outro é
particular e definido. Esta última eleição ou é incompleta, revogável,
não-decisiva e condicional, ou é completa, irrevogável, decisiva e absoluta. Do
mesmo modo, há uma eleição para fé e outra para salvação. Portanto eleição pode
ser para a fé justificante, sem ser decisiva para a salvação.
Refutação - Isto é
uma invenção da mente humana, sem nenhuma base na Escritura. Essa invenção
corrompe a doutrina da eleição e quebra a corrente de ouro da nossa salvação.
"E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses
também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou." (Rom
8:30).
Erro 3 - O bom
propósito de Deus do qual a Escritura fala na doutrina da eleição não significa
que Ele escolheu certas pessoas e não outras, mas que Ele, dentre todas as
condições possíveis (inclusive as obras da lei) ou seja, dentre todas as
possibilidades, escolheu como condição de salvação, o ato de fé, que é sem
méritos de si mesmo, e a obediência imperfeita da fé. Na sua graça Ele a
considera como obediência perfeita e digna da recompensa da vida eterna.
Refutação - Este
erro perigoso invalida o bom propósito de Deus e o mérito de Cristo, e desvia
as pessoas, por questões inúteis, da verdade da justificação graciosa e da
simplicidade da Escritura. Ele acusa de falsidade esta declaração do apóstolo:
" ...que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas
obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em
Cristo Jesus antes dos tempos eternos." (II Tim 1:9).
Erro 4 - Eleição
para fé depende das seguintes condições prévias: o homem deve fazer uso
adequado da luz da natureza, e deve ser piedoso, humilde, submisso e
qualificado para a vida eterna.
Refutação - Assim
parece que a eleição depende destas coisas. Isto tem o sabor do ensino de
Pelágio e está em conflito com o ensino do apóstolo em Efésios 2:3-9:
"...entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as
inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e
éramos por natureza filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico
em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos
em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo -- pela graça sois
salvos, e juntamente com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos lugares
celestiais em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros a suprema
riqueza da sua graça, em bondade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela
graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de
obras, para que ninguém se glorie."
Erro 5 - A eleição
incompleta e não-definitiva de certas pessoas para a salvação se baseou nisto:
Deus previu que elas começariam a crer, se converter, viver em santidade e
piedade, e até continuariam nisto por algum tempo. Eleição completa e
definitiva de pessoas, porém, ocorreu porque Deus previu que elas perseverariam
em fé, conversão, santidade e piedade até ao fim. Isto é a dignidade graciosa e
evangélica por causa da qual a pessoa que é escolhida é mais digna que outra
que não é escolhida. Consequentemente a fé, a obediência de fé, a piedade e a
perseverança não são frutos da imutável eleição para glória. São condições e
causas previamente requeridas e previstas como cumpridas naqueles que serão
eleitos completamente. Só com base nestas condições ocorre a eleição imutável
para a glória.
Refutação - Este erro
está em conflito com toda a Escritura que repete constantemente para nossos
ouvidos e corações, estas e semelhantes afirmações: eleição "não [é] por
obras mas por aquele que chama..." (Rom 9:11), "...e creram todos os
que haviam sido destinados para a vida eterna." (At 13:48); "...nos
escolheu nele antes da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele..." (Ef 1:4); "Não fostes vós que me escolhestes a mim;
pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros..." (Jo 15:16); "...se é
pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça."
(Rom 11:6). "Nisto consiste o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus,
mas em que Ele nos amou, e enviou o seu Filho..." (I Jo 4:10).
Erro 6 - Nem toda
eleição para salvação é imutável. Alguns dos eleitos podem perder-se e de fato
se perdem eternamente, não obstante qualquer decreto de Deus.
Refutação - Este erro
grosseiro faz Deus mutável, destrói o conforto dos crentes quanto à constância
de sua eleição, e contradiz a Escritura: os eleitos não podem ser enganados (Mt
24:24); "E a vontade de quem me enviou é esta: Que nenhum eu perca de
todos os que me deu..." (Jo 6:39); "E aos que predestinou a esses
também chamou; e aos que chamou a esses também justificou; e aos que justificou
a esses também glorificou." (Rom 8:30).
Erro 7 - Nesta vida
não há fruto, consciência ou certeza da eleição imutável para glória, exceto a
certeza que depende de uma condição mutável e incerta.
Refutação - Falar
acerca de uma certeza incerta é não apenas absurdo mas também contrário à
experiência dos santos. Sentindo sua eleição, eles se regozijam junto com o
apóstolo e glorificam este benefício de Deus (Cf Ef 1:12). Conforme o
mandamento de Cristo Eles se regozijam junto com os discípulos por seus nomes
estarem escritos nos céus (Lc 10:20). Eles colocam a consciência de sua eleição
contra os dardos inflamados das tentações do diabo, quando perguntam:
"Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus?" (Rom 8:33).
Erro 8 - Deus não
decidiu, simplesmente com base em sua justa vontade, deixar ninguém na queda de
Adão e no estado comum de pecado e condenação. Nem decidiu passar ninguém
quando deu a graça, necessária para fé e conversão.
Refutação - Pois isto é certo:
"Logo, tem ele misericórdia de quem quer, e também endurece a quem lhe
apraz." (Rom 9:18). E também isto: "...Porque a vós outros é dado
conhecer os mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso
concedido." (Mt 13:11). Igualmente: "...Graças te dou, ó Pai, Senhor
do céu e da terra, porque ocultaste estas cousas aos sábios e entendidos, e as
revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi de teu agrado." (Mt
11:25,26).
Erro 9 - Deus envia
o Evangelho a um povo mais que a um outro, não meramente e somente por causa do
bom propósito de sua vontade, mas por ser este melhor e mais digno que o outro,
ao qual o Evangelho não é comunicado.
Refutação - Moisés
nega isto quando se dirige ao povo de Israel dizendo: "Eis que os céus e
os céus dos céus são do SENHOR teu Deus, a terra e tudo o que nela há.
Tão-somente o SENHOR se afeiçoou a teus pais para os amar: a vós outros,
descendentes deles escolheu de todos os povos, como hoje se vê." (Dt
10:14, 15). E Cristo diz: "Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque,
se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há
muito que elas se teriam arrependido, com pano de saco e cinza." (Mt
11:21).
CAPÍTULO
2
A MORTE DE CRISTO
E A REDENÇÃO DO HOMEM POR MEIO DELA
1. Deus é não só supremamente
misericordioso mas também supremamente justo. E como Ele se revelou em sua
Palavra, sua justiça exige que nossos pecados, cometidos contra sua infinita
majestade, sejam punidos nesta vida e na futura, em corpo e alma. Não podemos
escapar destas punições a menos que seja cumprida a justiça de Deus.
2. Por nós mesmos, entretanto, não
podemos cumprir tal satisfação nem podemos livrar a nós mesmos da ira de Deus.
Por isso Deus, em sua infinita misericórdia deu seu Filho único como nosso
Fiador. Por nós, ou em nosso lugar, Ele foi feito pecado e maldição na cruz
para que pudesse satisfazer a Deus por nós.
3. Esta morte do Filho de Deus é o
único e perfeito sacrifício pelos pecados, de valor e dignidade infinitos,
abundantemente suficiente para expiar os pecados do mundo inteiro.
4. Essa morte é de tão grande poder e
valor porque quem se submeteu a ela, é não apenas verdadeira e perfeitamente
santo homem, mas também o Filho único de Deus. Ele é Deus eterno e infinito
junto ao Pai e ao Espírito Santo. Assim devia ser nosso Salvador. Além disto,
Ele sentiu, quando morria a ira e a maldição de Deus que nós merecemos, pelos
nossos pecados.
5. A promessa do Evangelho é que todo
aquele que crer no Cristo crucificado não pereça mas tenha vida eterna. Esta
promessa deve ser anunciada e proclamada sem discriminação a todos os povos e a
todos os homens, aos quais Deus em seu bom propósito envia o Evangelho, com a
ordem de se arrepender e crer.
6. Muitos que têm sido chamados pelo
Evangelho não se arrependem nem crêem em Cristo, mas perecem na incredulidade.
Isto não acontece por causa de algum defeito ou insuficiência no sacrifício de
Cristo na cruz, mas por causa de sua própria culpa.
7. Mas aqueles que verdadeiramente
crêem e, pela morte de Cristo, são libertos e salvos dos seus pecados e
perdição, recebem tal benefício apenas por causa da graça de Deus, que lhes é
dada, em Cristo, desde a eternidade. Deus não deve a ninguém tal graça.
8. Pois este foi o soberano conselho, a
vontade graciosa e o propósito de Deus o Pai, que a eficácia vivificante e
salvífica da preciosíssima morte de seu Filho fosse estendida a todos os
eleitos. Daria somente a eles a justificação pela fé e por conseguinte os
traria infalivelmente à salvação. Isto quer dizer que foi da vontade de Deus
que Cristo por meio do sangue na cruz (pelo qual Ele confirmou a nova aliança)
redimisse efetivamente de todos os povos, tribos, línguas e nações, todos
aqueles e somente aqueles que foram escolhidos desde a eternidade para serem
salvos, e Lhe foram dado pelo Pai. Deus quis que Cristo lhes desse a fé, que
Ele mesmo lhes conquistou com sua morte, junto com outros dons salvíficos do
Espírito Santo. Deus quis também que Cristo os purificasse de todos os pecados
por meio do seu sangue, tanto do pecado original como dos pecados atuais, que
foram cometidos antes e depois de receberem a fé. E que Cristo os guardasse
fielmente até ao fim e finalmente os fizesse comparecer perante o próprio Pai
em glória, "sem mácula, nem ruga" (Ef 5:27).
9. Este conselho, procedendo do amor
eterno de Deus aos eleitos, tem sido poderosamente cumprido, desde o começo do
mundo até hoje, ainda que as "portas do inferno" em vão tentem
frustrá-lo. O conselho de Deus também continuará a ser cumprido. No devido
tempo os eleitos serão unidos em um só rebanho, e sempre haverá uma Igreja de
crentes fundada no sangue de Cristo. Esta Igreja ama firmemente seu Salvador (o
qual como noivo deu na cruz sua própria vida por sua noiva), O serve com
perseverança e O glorifica agora e para sempre.
REJEIÇÃO DE
ERROS
Havendo explicado a doutrina ortodoxa,
o Sínodo rejeita os seguintes erros:
Erro 1 - Deus o
Pai destinou seu Filho à morte na cruz sem um decreto definido de determinadas
pessoas. Mesmo que a redenção por Cristo conquistada de fato nunca tivesse sido
aplicada a nem uma só pessoa, o que Ele alcançou pela sua morte podia ter sido
necessário, proveitoso e valioso e podia permanecer perfeito, completo, e
intacto em todas as suas partes.
Refutação - Esta
doutrina é uma ofensa à sabedoria do Pai, ao mérito de Cristo e é contrária à
Escritura. Pois o nosso Salvador afirma: "... dou a minha vida pelas
ovelhas." e "eu as conheço..." (Jo 10:15, 27). E o profeta
Isaías fala acerca do Salvador: "... quando der ele a sua alma como oferta
pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do
SENHOR prosperará nas suas mãos." (Is 53:10). Finalmente, este erro
invalida o artigo de fé pelo qual confessamos a Igreja universal de Cristo.
Erro 2 - Não era
propósito da morte de Cristo que Ele confirmasse de fato a nova aliança da
graça pelo seu sangue. Mas era somente propósito que conquistasse para o Pai o
mero direito de estabelecer de novo uma aliança com o homem, seja de graça seja
de obras, conforme a vontade do Pai.
Refutação - Isto
contradiz a Escritura que ensina que Cristo se tornou o Fiador e Mediador de
uma aliança superior, isto é, da nova aliança. Um testamento só se concretiza
em caso de morte (Hb 7:22 e 9:15, 17).
Erro 3 - Por sua
satisfação ao Pai, Cristo não mereceu para ninguém a salvação segura nem a fé
pela qual esta satisfação para salvação é efetivamente aplicada. Ele obteve
apenas para o Pai a possibilidade ou a vontade perfeita, para tratar de novo
com o homem e para prescrever novas condições conforme sua vontade. Depende
entretanto da livre vontade do homem para preencher estas condições. Portanto
poderia acontecer que ninguém ou todos os homens preenchessem tais condições.
Refutação - Aqueles
que ensinam este erro desprezam a morte de Cristo e não reconhecem de maneira
nenhuma o seu mais importante resultado ou benefício. Eles evocam do inferno o
erro pelagiano.
Erro 4 - A nova
aliança da graça, que Deus o Pai, mediante a morte de Cristo, estabeleceu com o
homem, não consiste nisso que nós estamos justificados diante de Deus e salvos
pela fé se ela aceita o mérito de Cristo. Ela consiste no fato de que Deus
revogou a exigência de perfeita obediência à lei e considera agora a própria fé
e a obediência de fé, ainda que imperfeitas, como a perfeita obediência à lei.
Ele acha, em sua graça, que elas sejam dignas da recompensa da vida eterna.
Refutação - Os que
ensinam isto contradizem a Escritura: "...sendo justificados
gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a
quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé..." (Rom
3:24, 25). Eles introduzem, junto com o ímpio Socino, uma nova e estranha
justificação do homem diante de Deus, contrária ao consenso da Igreja inteira.
Erro 5 - Todas as
pessoas têm sido aceitas por Deus, de tal maneira que estão reconciliadas com
Ele e participam da aliança. Por isso ninguém está sujeito à condenação ou será
condenado por causa do pecado original. Todos estão livres da culpa deste
pecado.
Refutação - Esta
opinião contraria a Escritura que ensina que nós somos "por natureza
filhos da ira" (Ef 2:3).
Erro 6 - Deus,
por sua parte, quer dar a todas as pessoas igualmente os benefícios
conquistados pela morte de Cristo. Entretanto algumas obtêm o perdão de pecados
e a vida eterna, e outras não. Esta distinção depende de sua própria livre
vontade que se junta à graça que é oferecida sem distinção. Mas não depende do
dom especial da misericórdia que opera tão poderosamente nestas pessoas, que
elas, diferentes de outras, se apropriam desta graça.
Refutação - Os que
ensinam assim abusam da distinção entre aquisição e apropriação da salvação para
implantar esta opinião nas mentes de pessoas imprudentes e sem experiência.
Enquanto eles simulam apresentar esta distinção da maneira correta, procuram
induzir na mente do povo o perigoso veneno dos erros pelagianos.
Erro 7 - Cristo não
podia nem precisava morrer, nem morreu de fato, por aqueles a quem Deus amou
supremamente e elegeu para a vida eterna, visto que estes não precisavam da
morte de Cristo.
Refutação - Esta
doutrina contradiz o apóstolo, que declara: O Filho de Deus "me amou e a
si mesmo se entregou por mim." (Gl 2:20). Igualmente: "Quem intentará
acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os
condenará? É Cristo Jesus quem morreu..." por eles (Rom.8:33, 34). E o
Salvador assegura: "...dou a minha vida pelas ovelhas." (Jo 10:15). E
mais: "O meu mandamento é este, que vos ameis uns aos outros, assim como
eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida
em favor dos seus amigos." (Jo 15:12, 13).
CAPÍTULOS 3
e 4
A CORRUPÇÃO DO HOMEM,
A SUA CONVERSÃO A DEUS E O MODO DELA
A CORRUPÇÃO DO HOMEM,
A SUA CONVERSÃO A DEUS E O MODO DELA
1. No princípio o homem foi criado à imagem de Deus. Foi adornado em seu entendimento com o verdadeiro e salutar conhecimento de Deus e de todas as coisas espirituais. Sua vontade e seu coração eram retos, todos os seus afetos puros; portanto, era o homem completamente santo. Mas, desviando-se de Deus sob instigação do diabo e pela sua própria livre vontade, ele se privou destes dons excelentes. Em lugar disso trouxe sobre si cegueira, trevas terríveis, leviano e perverso juízo em seu entendimento; malícia, rebeldia e dureza em sua vontade e seu coração; também impureza em todos os seus afetos.
2. Depois da queda, o homem corrompido
gerou filhos corrompidos. Então a corrupção, de acordo com o justo julgamento
de Deus, passou de Adão até todos os seus descendentes, com exceção de Cristo
somente. Não passou por imitação, como os antigos pelagianos afirmavam, mas por
procriação da natureza corrompida.
3. Portanto, todos os homens são
concebidos em pecado e nascem como filhos da ira, incapazes de qualquer ação
que o salve, inclinados para o mal, mortos em pecados e escravos do pecado. Sem
a graça do Espírito Santo regenerador nem desejam nem tampouco podem retornar a
Deus, corrigir suas naturezas corrompidas ou ao menos estar dispostos para esta
correção.
4. É verdade que há no homem depois da
queda um resto de luz natural. Assim ele retém ainda alguma noção sobre Deus,
sobre as coisas naturais e a diferença entre honrado e desonrado e pratica um
pouco de virtude e disciplina exterior. Mas o homem está tão distante de chegar
ao conhecimento salvífico de Deus e à verdadeira conversão por meio desta luz
natural que ele não a usa apropriadamente nem mesmo em assuntos cotidianos.
Antes, qualquer que seja esta luz, o homem totalmente a polui de maneiras
diversas e a detém pela injustiça. Assim ele se faz indesculpável perante Deus.
5. O que foi dito sobre a luz da
natureza vale também com relação à lei dos Dez Mandamentos, dada por Deus
através de Moisés, particularmente aos judeus. A lei revela como é grande o
pecado e mais e mais convence o homem de sua culpa, mas não aponta o remédio
nem dá a força para sair desta miséria. A lei ficou sem força pela carne e
deixa o transgressor debaixo da maldição. Por esta razão o homem não pode obter
a graça salvadora através da lei.
6. Aquilo que a luz natural nem a lei
podem fazer, Deus o faz pelo poder do Espírito Santo e pela pregação ou
ministério da reconciliação, que é o Evangelho do Messias. Agradou a Deus usar
este Evangelho para salvar os crentes, tanto na antiga quanto na nova aliança.
7. No Antigo Testamento Deus revelou
este mistério da sua vontade apenas a poucas pessoas. No Novo testamento,
entretanto, Ele retirou a distinção entre os povos e revelou o mistério a muito
mais pessoas. Esta distribuição distinta do Evangelho não é causada pela maior
dignidade de um certo povo, nem pelo melhor uso da luz da natureza, mas pelo
soberano bom propósito e amor imerecido de Deus. Portanto eles que recebem tão
grande graça, além e ao contrário de tudo que merecem, devem reconhecer isto
com coração humilde e agradecido. Mas eles devem com o apóstolo adorar a
severidade e justiça dos julgamentos de Deus sobre aqueles que não recebem esta
graça. Estes julgamentos de Deus, eles não devem, de maneira nenhuma,
investigá-los curiosamente.
8. Mas tantos quantos são chamados pelo
Evangelho, seriamente o são. Porque Deus revela séria e sinceramente em sua
Palavra o que Lhe agrada, a saber, que aqueles que são chamados venham a Ele.
Ele também seriamente promete descanso para a alma e vida eterna a todos que a
Ele vierem e crerem.
9. Muitos são chamados através do
ministério do Evangelho mas não vêm nem são convertidos. Não é a culpa do
Evangelho, nem do Cristo que é oferecido pelo Evangelho, nem de Deus que chama através
do Evangelho e inclusive confere vários dons a eles. Mas é sua própria culpa.
Alguns deles não aceitam a Palavra da vida por descuido. Outros de fato a
recebem, mas não em seus corações, e por isso, quando desaparece a alegria de
sua fé temporária, viram as costas à Palavra. Ainda outros sufocam a semente da
Palavra com os espinhos dos cuidados e prazeres deste mundo, e não produzem
nenhum fruto. Isto é o que o Salvador ensina na parábola do semeador (Mt 13).
10. Outros que são chamados pelo
ministério do Evangelho vêm e são convertidos. Isto não pode ser atribuído ao
homem, como se ele se distinguisse por sua livre vontade de outros que
receberam a mesma e suficiente graça para fé e conversão, como a heresia
orgulhosa de Pelágio afirma. Mas isto deve ser atribuído a Deus: como Ele os
escolheu em Cristo desde a eternidade, assim Ele os chamou efetivamente no
tempo. Ele lhes dá fé e arrependimento; Ele os livra do poder das trevas e os
transfere para o reino de seu Filho. Tudo isto Ele faz a fim de que eles
proclamem as grandes virtudes daquele que os chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz, e se gloriem não em si mesmos mas no Senhor, como é o
testemunho geral dos escritos apostólicos (Col 1:13; 1 Pe 2:9; 1 Cor 1:31).
11. Deus realiza seu bom propósito nos
eleitos e opera neles a verdadeira conversão da seguinte maneira: Ele faz com
que ouçam o Evangelho mediante a pregação e poderosamente ilumina suas mentes
pelo Espírito Santo de tal modo que possam entender corretamente e discernir as
coisas do Espírito de Deus. Mas pela operação eficaz do mesmo Espírito
regenerador, Deus também penetra até os recantos mais íntimos do homem. Ele
abre o coração fechado e amolece o que está duro, circuncida o que está
incircunciso e introduz novas qualidades na vontade. Esta vontade estava morta,
mas Ele a faz reviver; era má, mas Ele a torna boa; estava indisposta, mas Ele
a torna disposta; era rebelde, mas Ele a faz obediente. Ele move e fortalece
esta vontade de tal forma que, como uma boa árvore, seja capaz de produzir
frutos de boas obras (I Cor 2:14).
12. Esta conversão é aquela
regeneração, renovação, nova criação, ressurreição dos mortos e vivificação,
tão exaltada nas Escrituras, a qual Deus opera em nós, sem nós. Mas esta
regeneração não é efetuada pela pregação apenas, nem por persuasão moral. Nem
ocorre de tal maneira que, havendo Deus feito a sua parte, resta ao poder do
homem ser regenerado ou não regenerado, convertido ou não convertido. Ao
contrário, a regeneração é uma obra sobrenatural, poderosíssima, e ao mesmo
tempo agradabilíssima, maravilhosa, misteriosa e indizível. De acordo com o
testemunho da Escritura, inspirada pelo próprio autor desta obra, regeneração
não é inferior em poder à criação ou à ressurreição dos mortos.
Consequentemente todos aqueles em cujos corações Deus opera desta maneira
maravilhosa são, certamente, infalivelmente e efetivamente regenerados e de
fato passam a crer. Portanto a vontade que é renovada não é apenas acionada e
movida por Deus, mas ela age também, sob a ação de Deus, por si mesma. Por isso
também se diz corretamente que o homem crê e se arrepende mediante a graça que
recebeu.
13. Como Deus opera, os crentes,
enquanto vivos, não podem entender completamente. Entretanto, porém, estão
tranqüilos sabendo e sentindo que por esta graça de Deus eles crêem com o
coração e amam seu Salvador.
14. Fé é, portanto, um dom de Deus.
Isto não significa que Deus a oferece à livre vontade do homem, mas que ela é,
de fato, conferida ao homem e nele infundida. Não é um dom no sentido de que
Deus apenas concede poder para crer e depois espera da livre vontade do homem o
consentimento para crer ou o ato de crer. Ao contrário, é um dom no sentido de
que Deus efetua no homem tanto a vontade de crer quanto o ato de crer. Ele
opera tanto o querer como o realizar, sim, opera tudo em todos. (Ef 2:8; Fp
2:13).
15. Esta graça Deus não deve a ninguém.
Em troca de que seria Ele devedor ao homem? Quem tem primeiro dado a Ele para
que possa ser retribuído? O que poderia Deus dever a alguém que nada tem de si
mesmo a não ser pecado e falsidade? Aquele portanto, que recebe esta graça deve
e rende eterna gratidão a Deus. Porém quem não recebe esta graça, nem valoriza
estas coisas espirituais e tem prazer na sua própria situação, ou numa falsa
segurança em vão se gaba de ter o que não tem. Além disto, quanto aos que
manifestam sua fé e corrigem suas vidas, nós devemos julgar e falar da maneira
mais favorável, de acordo com o exemplo dos apóstolos, pois o fundo do coração
é desconhecido de nós. Quanto aos que ainda não foram chamados, nós devemos
orar a Deus em seu favor, pois Ele é que chama à existência as coisas que não
existem. De maneira nenhuma, porém, podemos ter uma atitude orgulhosa para com
eles, como se nós tivéssemos realizado nossa posição distinta (Rom 11:35).
17. O homem não deixou, apesar da
queda, de ser homem dotado de intelecto e vontade; e o pecado, que tem
penetrado em toda a raça humana, não privou o homem de sua natureza humana, mas
trouxe sobre ele depravação e morte espiritual. Assim também a graça divina da
regeneração não age sobre os homens como se fossem máquinas ou robôs, e não
destrói a vontade e as suas propriedades, ou a coage violentamente. Mas a graça
a faz reviver espiritualmente, a cura, a corrige, e a dobra agradável e ao mesmo
tempo poderosamente. Como resultado, onde dominava rebelião e resistência da
carne, agora, pelo Espírito começa a prevalecer uma pronta e sincera
obediência. Esta é a verdadeira renovação espiritual e liberdade da vontade. E
se o admirável autor de todo bem não agisse desse modo conosco, o homem não
teria esperança de levantar-se da sua queda por meio de sua livre vontade, pela
qual ele, quando ainda estava em pé, se lançou na perdição.
18. A todo-poderosa operação de Deus
pela qual Ele produz e sustenta nossa vida natural não exclui mas requer o uso
de meios, pelos quais Ele quis exercer seu poder, de acordo com sua infinita
sabedoria e bondade. Da mesma maneira a mencionada operação sobrenatural de
Deus, pela qual Ele nos regenera, de modo nenhum exclui ou anula o uso do
Evangelho, que o mui sábio Deus ordenou para ser a semente da regeneração e o
alimento da alma. Por esta razão os apóstolos, e os mestres que os sucederam,
piedosamente instruíram o povo acerca da graça de Deus, para sua glória e para humilhação
de toda soberba do homem. Ao mesmo tempo eles não descuidaram de manter o povo,
pelas santas admoestações do Evangelho, sob a ministração da Palavra, dos
sacramentos e da disciplina.
Por isso aqueles que hoje ensinam ou
aprendem na igreja não devem ousar tentar a Deus, separando aquilo que Ele em
seu bom propósito quis preservar inteiramente unido. Pois a graça é conferida,
através de admoestações, e quanto mais prontamente desempenhamos nosso dever,
tanto mais este benefício de Deus, que opera em nós, se manifesta gloriosamente
e sua obra prossegue da maneira melhor. A Deus somente toda glória eternamente,
tanto pelos meios quanto pelo fruto e eficácia salvíficos.
REJEIÇÃO DE
ERROS
Havendo explicado a doutrina ortodoxa,
o Sínodo rejeita os seguintes erros:
Erro 1 - É
impróprio dizer que o pecado original em si é suficiente para condenar toda a
raça humana ou merecer castigo temporal e eterno.
Refutação - Isto
contradiz o apóstolo que declara: "Portanto, assim como por um só homem
entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a
todos os homens porque todos pecaram." (Rom 5:12) E no verso 16 diz:
"... o julgamento derivou de uma só ofensa, para a condenação." E em
Rom 6:23: "O salário do pecado é a morte."
Erro 2 - Os dons
espirituais ou as boas qualidades e virtudes, tal como a bondade, santidade,
justiça, não podiam estar na vontade do homem quando no princípio foi criado.
Por isso também não podiam ter sido separados da sua própria vontade quando
caiu.
Refutação - Este erro é
contrário à descrição da imagem de Deus que o apóstolo dá em Ef 4:24, dizendo
que ela consiste em justiça e santidade, que sem dúvida estão na vontade.
Erro 3 - Na morte
espiritual os dons espirituais não são separados da vontade do homem. Porque a
vontade como tal nunca tem sido corrompida mas apenas atrapalhada pelo
obscurecimento do entendimento e pela desordem das afeções. Se estes obstáculos
forem removidos, a vontade pode exercer seu livre poder inato. A vontade é por
si mesma capaz de desejar e escolher ou não toda espécie de bem que lhe for
apresentada.
Refutação - Esta é uma
novidade e um engano, e tende a exaltar os poderes da livre vontade, contrário
ao que o profeta Jeremias declara no cap. 17:9: "Enganoso é o coração,
mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto...." E o apóstolo
Paulo escreve: "Entre os quais (os filhos da desobediência) também todos
nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade
da carne e dos pensamentos" (Ef 2:3).
Erro 4 - O homem
não-regenerado não é realmente ou totalmente morto em pecados, ou privado de
toda capacidade para fazer o bem. Ele ainda pode ter fome e sede de justiça e
vida, e pode oferecer sacrifício de espírito contrito e quebrantado que agrada
a Deus.
Refutação - Estas
afirmações são contrárias ao testemunho claro da Escritura: "Ele vos deu
vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados" (Ef 2:1; cf.vs.5).
E, "...era continuamente mau todo o desígnio do seu coração" (Gn 6:5;
cf.8:21). Além do mais, somente os regenerados e os bem-aventurados têm fome e
sede da libertação da miséria, e da vida, e oferecem a Deus um sacrifício de
espírito quebrantado (Sl 51:19 e Mt 5:6).
Erro 5 - O homem
degenerado e carnal pode usar bem a graça comum (o que é a luz natural), ou os
dons ainda lhe deixados após a queda. Assim ele, sozinho, pode alcançar, pouco
a pouco e gradualmente, uma graça maior, isto é, a graça evangélica ou
salvadora, e até a salvação. Dessa forma Deus, por seu lado, mostra-se pronto
para revelar Cristo a todo homem, porque a todos Ele administra suficiente e
efetivamente os meios necessários para conhecer Cristo, para crer e se
arrepender.
Refutação - Tanto a
experiência de todas as épocas como a Escritura testificam que isto não é
verdade. "Mostra a sua palavra a Jacó, as suas leis e os seus preceitos a
Israel. Não fez assim a nenhuma outra nação; todas ignoram os seus
preceitos" (Sl 147:19,20). "...o qual nas gerações passadas permitiu
que todos os povos andassem nos seus próprios caminhos" (At 14:16). E
Paulo e seus companheiros foram "impedidos pelo Espírito Santo de pregar a
Palavra na Asia, defrontando Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de
Jesus não o permitiu" (At 16:6,7).
Erro 6 - Na
verdadeira conversão do homem, Deus não pode infundir novas qualidades, novos
poderes ou dons na vontade humana. Portanto a fé, que é o começo da conversão,
e que nos dá o nome de crente, não é uma qualidade ou um dom outorgados por
Deus mas apenas um ato do homem. Somente com respeito ao poder para alcançar a
fé, pode se dizer que é um dom.
Refutação - Este
ensino contradiz a Sagrada Escritura que declara que Deus infunde em nossos
corações novas qualidades de fé, obediência e experiência de seu amor: "Na
mente lhes imprimirei as minhas leis, também nos corações lhas
inscreverei" (Jr 31:33). E: "...derramarei água sobre o sedento, e
torrentes sobre a terra seca" (Is 44:3). E ainda: "...o amor de Deus
é derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi outorgado"
(Rom 5:5). O ensino arminiano também contraria a prática constante da Igreja,
que ora com o profeta: "Converte-me, e serei convertido" (Jr 31:18).
Erro 7 - Esta
graça pela qual somos convertidos a Deus é apenas um apelo gentil. Ou (como
alguns explicam): Esta maneira de agir, que consiste em aconselhar é a mais
nobre maneira de converter o homem e está mais em harmonia com a natureza do
homem. Não há razão porque tal graça persuasiva não seja suficiente para tornar
espiritual o homem natural. Em verdade, Deus não produz o consentimento da
vontade a não ser através deste tipo de apelo moral. O poder da operação divina
supera a ação de Satanás, Deus prometendo bens eternos e Satanás bens
temporais.
Refutação - Isto é
Pelagianismo por completo, e contrário a toda Escritura que conhece além deste
apelo moral, outra operação, muito mais poderosa e divina: a ação do Espírito
Santo na conversão do homem: "Dar-vos-ei coração novo, e porei dentro em
vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de
carne" (Ez 36:26).
Erro 8 - Na
regeneração do homem Deus não usa os poderes de sua onipotência de tal maneira
que Ele dobra a vontade do homem, à força e infalivelmente, para fé e
conversão. Mesmo sendo realizadas todas as operações da graça que Deus possa
usar para converter o homem e mesmo que Deus tenha a intenção e a vontade de
regenerá-lo, o homem ainda pode resistir a Deus e ao Santo Espírito. De fato
freqüentemente resiste, chegando a impedir totalmente sua regeneração. Portanto
ser ou não ser regenerado permanece no poder do homem.
Refutação - Isto é
nada mais nada menos que anular todo o poder da graça de Deus em nossa
conversão e sujeitar a operação do Deus Todo-Poderoso à vontade do homem. É
contrário ao que os apóstolos ensinam: cremos "... segundo a eficácia da
força do seu poder" (Ef 1:19), e: "...para que nosso Deus cumpra...
com poder todo propósito de bondade e obra de fé..." (2 Ts 1:11), e
também: "...pelo seu divino poder nos têm sido doadas todas as coisas que
conduzem à vida e piedade..." (2 Pe 1:3).
Erro 9 - Graça e
livre vontade são as causas parciais que operam juntas no início da conversão.
Pela ordem destas causas a graça não precede à operação da vontade do homem.
Deus não ajuda efetivamente a vontade do homem para sua conversão, enquanto a
própria vontade do homem não se move e decide se converter.
Refutação - A Igreja
Antiga há muito tempo já condenou esta doutrina dos Pelagianos, de acordo com a
palavra do apóstolo: "Assim, pois, não depende de quem quer, ou de quem
corre, mas de usar Deus a sua misericórdia" (Rom 9:16). Também: "Pois
quem é que te faz sobressair? e que tens tu que não tenhas recebido?..."
(1 Cor 4:7)? E ainda: "...porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer
como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2:13).
CAPÍTULO
5A PERSEVERANÇA DOS SANTOS
1. Aqueles que, de acordo com o seu propósito, Deus chama à comunhão do seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, e regenera pelo seu Santo Espírito, Ele certamente os livra do domínio e da escravidão do pecado. Mas nesta vida, Ele não os livra totalmente da carne e do corpo de pecado (Rom 7:24).
2. Portanto, pecados diários de
fraqueza surgem e até as melhores obras dos santos são imperfeitas. Estes são
para eles constante motivo para humilhar-se perante Deus e refugiar-se no
Cristo crucificado. Também são motivo para mais e mais mortificar a carne
através do Espírito de oração, e através dos santos exercícios de piedade, e
ansiar pela meta da perfeição. Eles fazem isto até que possam reinar com o
Cordeiro de Deus nos céus, finalmente livres deste corpo de morte.
3. Por causa dos seus pecados
remanescentes e também por causa das tentações do mundo e de Satanás, aqueles
que têm sido convertidos não poderiam perseverar nesta graça, se deixados ao
cuidado de suas próprias forças. Mas Deus é fiel: misericordiosamente os
confirma na graça, uma vez conferida sobre eles, e poderosamente preserva a
eles na sua graça até o fim.
4. O poder de Deus, pelo qual Ele
confirma e preserva os verdadeiros crentes na graça, é tão grande que isto não
pode ser vencido pela carne. Mas os convertidos nem sempre são guiados e
movidos por Deus, e assim eles poderiam, em certos casos, por sua própria
culpa, se desviar da direção da graça, e ser seduzidos pelos desejos da carne e
segui-los. Devem, portanto, vigiar constantemente e orar para que não caiam em
tentação. Quando não vigiarem e orarem, eles podem ser levados pela carne, pelo
mundo e por Satanás para sérios e horríveis pecados. Isto ocorre também muitas
vezes pela justa permissão de Deus. A lamentável queda de Davi, Pedro e outros
santos, descrita na Sagrada Escritura, demonstra isto.
5. Por tais pecados grosseiros,
entretanto, eles causam a ira de Deus, se tornam culpados da morte, entristecem
o Espírito Santo, suspendem o exercício da fé, ferem profundamente suas
consciências e algumas vezes perdem temporariamente a sensação da graça. Mas
quando retornam ao reto caminho por meio de arrependimento sincero, logo a face
paternal de Deus brilha novamente sobre eles.
6. Pois Deus, que é rico em
misericórdia, de acordo com o imutável propósito da eleição, não retira
completamente o seu Espírito dos seus, mesmo em sua deplorável queda. Nem tão
pouco permite que venham a cair tanto que recaiam da graça da adoção e do
estado de justificado. Nem permite que cometam o pecado que leva à morte, isto
é, o pecado contra o Espírito Santo e assim sejam totalmente abandonados por
Ele, lançando-se na perdição eterna.
7. Pois, em primeiro lugar, em tal
queda, Deus preserva neles sua imperecível semente da regeneração, a fim de que
esta não pereça nem seja lançada fora. Além disto, através da sua Palavra e seu
Espírito, certamente Ele os renova efetivamente para arrependimento. Como
resultado eles se afligem de coração com uma tristeza para com Deus pelos
pecados que têm cometido; procuram e obtêm pela fé, com coração contrito,
perdão pelo sangue do Mediador; e experimentam novamente a graça de Deus, que é
reconciliado com eles, adorando sua misericórdia e fidelidade. E de agora em
diante eles se empenham mais diligentemente pela sua salvação com temor e
tremor.
8. Assim, não é por seus próprios
méritos ou força mas pela imerecida misericórdia de Deus que eles não caiam
totalmente da fé e da graça e nem permaneçam caídos ou se percam
definitivamente. Quanto a eles, isto facilmente poderia acontecer e aconteceria
sem dúvida. Porém, quanto a Deus, isto não pode acontecer, de modo nenhum. Pois
seu decreto não pode ser mudado, sua promessa não pode ser quebrada, seu
chamado em acordo com seu propósito não pode ser revogado. Nem o mérito, a
intercessão e a preservação de Cristo podem ser invalidados, e a selagem do
Espírito tão pouco pode ser frustrada ou destruída.
9. Os crentes podem estar certos e
estão certos desta preservação dos eleitos para salvação e da perserverança dos
verdadeiros crentes na fé. Esta certeza é de acordo com a medida de sua fé,
pela qual eles crêem com certeza que são e permanecerão verdadeiros e vivos
membros da Igreja, e que têm o perdão de pecados e a vida eterna.
10. Esta certeza não vem de uma
revelação especial, sem ou fora da Palavra, mas vem da fé nas promessas de
Deus, que Ele revelou abundantemente em sua Palavra para nossa consolação. Vem
também do testemunho do Espírito Santo, testificando com o nosso espírito de
que somos filhos e herdeiros de Deus; e finalmente, vem do zelo sério e santo
por uma boa consciência e por boas obras. E se os eleitos não tivessem neste
mundo a sólida consolação de obter a vitória e esta garantia infalível da
glória eterna, seriam os mais miseráveis de todos os homens (Rom 8:16,17).
11. No entanto, a Escritura testifica
que os crentes nesta vida têm de lutar contra várias dúvidas da carne e,
sujeitos a graves tentações, nem sempre sentem plenamente esta confiança da fé
e certeza da perseverança. Mas Deus, que é Pai de toda a consolação, não os
deixa ser tentados além de suas forças, mas com a tentação proverá também o
livramento e pelo Espírito Santo novamente revive neles a certeza da
perseverança (I Cor. 10:13).
12. Entretanto, esta certeza de
perseverança não faz de maneira nenhuma que os verdadeiros crentes se orgulhem
e se acomodem. Ao contrário, ela é a verdadeira raiz da humildade, reverência
filial, verdadeira piedade, paciência em toda luta, orações fervorosas, firmeza
em carregar a cruz e confessar a verdade e alegria sólida em Deus. Além do
mais, a reflexão deste benefício é para eles um estímulo para praticar séria e
constantemente a gratidão e as boas obras, como é evidente nos testemunhos da
Escritura e nos exemplos dos santos.
13. Quando pessoas são levantadas de
uma queda (no pecado) começa a reviver a confiança na perseverança. Isto não
produz descuido ou negligência na piedade delas. Em vez disto produz maior
cuidado e diligência para guardar os caminhos do Senhor, já preparados, para
que, andando neles, possam preservar a certeza da perseverança. Quando fazem
isto o Deus reconciliado não retira de novo sua face delas por causa do abuso
da sua bondade paternal (a contemplação dela é para os piedosos mais doce que a
vida e sua retirada mais amarga que a morte), e elas não cairão em tormentos
mais graves da alma (Ef. 2:10).
14. Tal como agradou a Deus iniciar sua
obra da graça em nós pela pregação do evangelho, assim Ele a mantém, continua e
aperfeiçoa pelo ouvir e ler do Evangelho, pelo meditar nele, pelas suas exortações,
ameaças, e promessas, e pelo uso dos sacramentos.
15. Deus revelou abundantemente em sua
Palavra esta doutrina da perseverança dos verdadeiros crentes e santos, e da
certeza dela, para a glória do seu Nome e para a consolação dos piedosos. Ele a
imprime nos corações dos crentes, mas a carne não pode entendê-la. Satanás a
odeia, o mundo zomba dela, os ignorantes e hipócritas dela abusam, e os
heréticos a ela se opõem. A Noiva de Cristo, entretanto, sempre tem-na amado
ternamente e defendido constantemente como um tesouro de inestimável valor.
Deus, contra quem nenhum plano pode se valer e nenhuma força pode prevalecer,
cuidará para que a Igreja possa continuar fazendo isso. Ao único Deus, Pai,
Filho e Espírito Santo, sejam a honra e a glória para sempre. Amém!
REJEIÇÃO
DE ERROS
Havendo explicado a doutrina ortodoxa,
o Sínodo rejeita os seguintes erros:
Erro 1 - A
perseverança dos verdadeiros crentes não é resultado da eleição ou um dom de
Deus obtido pela morte de Cristo. É uma condição da nova aliança, que o homem
deve cumprir pela sua livre vontade antes da assim chamada eleição decisiva, e
justificação.
Refutação - A
Escritura Sagrada testifica que a perseverança provém da eleição e é dada aos
eleitos pelo poder da morte, ressurreição e intercessão de Cristo: "a
eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos" (Rom 11:7). Também:
"Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o
entregou, porventura não nos dará graciosamente com Ele todas as coisas? Quem
intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os
condenará? É Cristo quem morreu, ou antes, quem ressuscitou, o qual está à
direita de Deus, e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de
Cristo?" (Rom 8:32-35)
Erro 2 - Deus de
fato provê os crentes de suficientes forças para perseverar, e está pronto para
preservar tais forças nele, se este cumprir seu dever; mas ainda que todas
estas coisas tenham sido estabelecidas, que são necessárias para perseverar na
fé e que Deus usa para preservar a fé, ainda assim dependerá da vontade humana
se perseverar ou não.
Refutação - Esta
idéia é abertamente pelagiana. Enquanto deseja libertar o homem, o faz
usurpador da honra de Deus. Combate o consenso geral da doutrina evangélica que
retira do homem todo motivo de orgulho e atribui todo louvor por este benefício
somente à graça de Deus. É também contrário ao apóstolo que declara: "...o
qual também vos confirmará até ao fim, para serdes irrepreensíveis no dia de
nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Cor 1:8).
Erro 3 - Crentes
verdadeiramente regenerados não só podem perder completa e definitivamente a fé
justificadora, a graça e a salvação, mas de fato as perdem freqüentemente e
assim se perdem eternamente.
Refutação - Esta
opinião invalida a graça, justificação, regeneração e contínua preservação por
Cristo. Ela é contrária às palavras expressas do apóstolo Paulo: "Mas Deus
prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós,
sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu
sangue, seremos por ele salvos da ira" (Rom 5:8,9). É contrária ao
apóstolo João: "Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do
pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver
pecando porque é nascido de Deus" (1 Jo 3:9). Também é contrária às
palavras de Jesus Cristo: "Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão,
eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é
maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar" (Jo 10:28,29).
Erro 4 - Verdadeiros
crentes regenerados podem cometer o pecado que leva à morte ou o pecado contra
o Espírito Santo.
Refutação - Após o
apóstolo João ter falado no 5º capítulo de sua 1ª carta, versos 16 e 17, sobre
aqueles que pecam para morte e de ter proibido de orar por eles, logo
acrescenta no verso 18: "Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não
vive em pecado, antes, Aquele que nasceu de Deus o guarda, e o maligno não lhe
toca."
Erro 5 - Sem uma
revelação especial não podemos ter nesta vida, nenhuma certeza da perseverança
futura.
Refutação - Por tal
doutrina o seguro consolo dos crentes verdadeiros nesta vida é tirado, e as
dúvidas dos seguidores do papa são novamente introduzidas na igreja. As
Escrituras Sagradas, entretanto, sempre deduzem esta segurança, não a partir de
uma revelação especial e extraordinária, mas a partir das marcas dos filhos de
Deus e das promessas mui firmes dEle. Especialmente o apóstolo Paulo ensina
isto:"...nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus
que há em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rom 8:39). E João escreve: "E
aquele que guarda os seus mandamentos permanece em Deus, e Deus nele. E nisto
conhecemos que Ele permanece em nós, pelo Espírito que nos deu" (1 Jo
3:24).
Erro 6 - Por sua
própria natureza a doutrina da certeza da perseverança e da salvação causa
falsa segurança e prejudica a piedade, os bons costumes, orações e outros
santos exercícios. Ao contrário, é louvável duvidar desta certeza.
Refutação - Esta
falsa doutrina ignora o efetivo poder da graça de Deus e a operação do Santo
Espírito, que habita em nós. Contradiz o apóstolo João que, em palavras
explícitas, ensina o contrário: "Amados, agora somos filhos de Deus, e
ainda não se manifestou o que havemos de ser. Sabemos que, quando ele se
manifestar, seremos semelhantes a ele; porque havemos de vê-Lo como ele é. E a
si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, como ele é puro."
(1 Jo 3:2,3) Ainda mais, ela é refutada pelos exemplos dos santos tanto no
Antigo como no Novo Testamento, que, não obstante estarem certos de sua
perseverança e salvação, continuaram em oração e outros exercícios de piedade.
Erro 7 - A fé
daqueles que crêem apenas por um tempo não é diferente da fé justificadora e
salvadora, a não ser com respeito à sua duração.
Refutação - Em Mt
13:20-23 e Lc 8:13-15 Cristo mesmo indica claramente, além da duração, uma
tríplice diferença entre os que crêem só por um tempo e os verdadeiros crentes.
Ele declara que o primeiro recebe a semente em terra rochosa, mas o último em
bom solo, ou seja, em bom coração; que o primeiro é sem raiz, mas o último tem
firme raiz; que o primeiro não tem fruto, mas o último produz fruto em várias
medidas, constante e perseverantemente.
Erro 8 - Não é
absurdo o fato de alguém, tendo perdido sua primeira regeneração, nascer de
novo e mesmo freqüentemente nascer de novo.
Refutação - Esta
doutrina nega que a semente de Deus, pela qual somos nascidos de novo, seja
incorruptível. Isto é contrário ao testemunho do apóstolo Pedro: "...pois
fostes regenerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível..."
(I Ped. 1:23).
Erro 9 - Cristo em
lugar algum orou para que os crentes perseverassem infalivelmente na fé.
Refutação - Isto
contradiz ao próprio Cristo, que diz: "Eu, porém, roguei por ti"
(Pedro) "para que a tua fé não desfaleça." (Lc 22:32). Também
contradiz o apóstolo João que declara que Cristo não orava somente pelos
apóstolos, mas também por todos aqueles que viessem a crer por meio da palavra
deles: "Pai Santo, guarda-os em teu nome, que me deste...Não peço que os
tires do mundo; e, sim, que os guardes do mal." (Jo 17:11,15).
CONCLUSÃO
Esta é a declaração clara, simples, e
sincera da doutrina ortodoxa com respeito aos Cinco Artigos de Fé disputados na
Holanda; e esta é a rejeição dos erros pelos quais as Igrejas têm sido
perturbadas, por algum tempo. O Sínodo de Dort julga a presente declaração e as
rejeições serem tiradas da Palavra de Deus e conforme as Confissões das Igrejas
Reformadas. Assim torna-se evidente que alguns agiram muito impropriamente e
contrário à toda verdade, equidade e amor, desejando persuadir o povo do
seguinte:
- A doutrina das Igrejas Reformadas com
relação à predestinação e assuntos relacionados com ela, por seu caráter e
tendência, desvia os corações dos homens da verdadeira religião.
- Ela é um ópio do diabo para a carne,
bem como uma fortaleza para Satanás, onde permanece à espera por todos, fere
multidões atingindo mortalmente a muitos com os dardos tanto de desespero
quanto de falsa segurança.
- Faz de Deus o autor injusto do
pecado, um tirano e hipócrita; é nada mais do que um renovado Estoicismo,
Maniqueísmo, Libertinismo e Islamismo.
- Conduz a um pecaminoso descuido
porque faz as pessoas crer que nada pode impedir a salvação dos eleitos, não importando
como vivam, e que portanto podem, tranqüilamente, cometer os crimes mais
horríveis. Por outro lado, se os reprovados tivessem produzido todas as obras
dos santos, isto não poderia nem ao menos contribuir para a salvação deles.
- A mesma doutrina ensina que Deus tem
predestinado e criado a maior parte da humanidade para a condenação eterna só
por um ato arbitrário de sua vontade sem levar em conta qualquer pecado.
- Da mesma maneira pela qual a eleição
é a fonte e a causa da fé e boas obras, a reprovação é a causa da incredulidade
e impiedade.
- Muitos filhos inocentes de pais
crentes são arrancados do seio de suas mães e, tiranicamente lançados no
inferno, de tal modo que nem o sangue de Cristo, nem o batismo nem as orações
da Igreja no ato do batismo lhes podem ser proveitosos.
Há muitas outras coisas semelhantes que
as Igrejas Reformadas não apenas não confessam mas também repelem de todo
coração. Portanto, este Sínodo de Dort conclama
em nome do Senhor a todos os que piedosamente invocam o nosso Salvador Jesus
Cristo, que não julguem a fé das Igrejas Reformadas a partir das calúnias
juntadas daqui e dali, nem tão pouco a partir de declarações pessoais de alguns
professores, modernos ou antigos, que muitas vezes são citadas em má fé,
distorcidas e explicadas de forma oposta ao seu sentido real.
Mas deve-se julgar a fé das Igrejas
Reformadas pelas Confissões públicas destas Igrejas, e pela presente declaração
da ortodoxa doutrina, confirmada pelo consenso unânime de cada um dos membros
de todo o Sínodo.
Além do mais, o Sínodo adverte os
caluniosos para que considerem o severo julgamento de Deus à espera deles, por
falar falso testemunho contra tantas igrejas e contra as Confissões delas, e
por conturbar as consciências dos fracos e por tentar colocar em suspeito, aos
olhos de muitos, a comunidade dos verdadeiros crentes.
Finalmente, este Sínodo exorta todos os
conservos no evangelho de Cristo a comportar-se em santo temor e piedade diante
de Deus, quando lidarem com esta doutrina em escolas e igrejas.
Ao ensiná-la, tanto pela palavra falada
quanto escrita, devem procurar a glória de Deus, a santidade de vida, e a
consolação das almas aflitas. Seus pensamentos e palavras sobre a doutrina
devem estar em concordância com a Escritura, de acordo com a analogia da fé. E
devem abster-se de usar qualquer frase que exceda os limites prescritos pelo
genuíno sentido das Escrituras
Sagradas para não dar aos frívolos
sofistas boas oportunidades para atacar ou caluniar a doutrina das Igrejas
Reformadas.
Que o Senhor Jesus Cristo, o Filho de
Deus, o qual está sentado à direita do Pai e envia seus dons aos homens, nos
santifique na verdade. Que Ele traga à verdade os que se desviaram dela, cale a
boca dos caluniosos da sã doutrina e equipe os ministros fiéis da sua Palavra
com o Espírito de sabedoria e discrição, para que tudo que falem possa ser para
a glória de Deus e a edificação dos ouvintes. Amém.
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