A Série "O Reino de Deus" faz parte do capítulo 04 do Livro "A Bíblia e o Futuro" de Anthony Hoekema. Estarei postando este capítulo de forma fracionada por entender que realmente há uma necessidade de uma maior compreensão do Reino de Deus tanto no presente quanto no porvir.
Ainda
um outro sinal da presença do Reino foi a realização de milagres por
Jesus e seus discípulos. Na operação desses milagres era efetuada a vinda do
Reino. O próprio Jesus indicou isto em sua reposta a João Batista, na qual ele
instruiu seus discípulos como segue: “ide, e anunciai a João o que estais
ouvindo e vendo: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os
surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho” (Mt 11.4-5). Mas estes milagres
foram apenas sinais; eles tinham suas limitações. Primeiro, nem todos os doentes
foram curados, nem todos os mortos ressuscitados. Mais ainda, os doentes que
foram curados, os coxos que tiveram seu andar recuperado e os mortos que foram
ressuscitados, ainda tinha de morrer. Os milagres tinham função provisória,
indicando a presença do Reino, mas ainda não marcando sua consumação final.
Mais um sinal, até mais importante que o último, era a
pregação do Evangelho. Os milagres de cura não foram o maior dom que
Jesus concedeu. Muito mais importante foi a salvação ele trouxe àqueles que
creram - uma salvação mediata ou, seja, através da pregação do Evangelho.
Quando Jesus disse aos setenta: “Não obstante, alegrai-vos, não porque os
espíritos se vos submetem e, sim, porque os vossos nomes estão arrolados nos
céus” (Lc 10.20), ele estava restaurando o senso de prioridade deles. É
significativo, portanto, que na resposta de Jesus a João Batista, citada acima,
o sinal último e culminante, que mostra que Cristo verdadeiramente é o Messias
e que o Reino verdadeiramente veio, é este: “aos pobres está sendo pregado o
evangelho” (Mt 11.5).
A dádiva do perdão de pecados é um sinal da presença do Reino. Nos profetas
do Antigo Testamento, o perdão dos pecados tinha sido predito como uma das
bênçãos da era messiânica vindoura (vejam-se Is 33.24; Jr 31.34; Mq 7.18-20; Zc
13.1). quando Jesus veio, ele não somente pregou acerca do perdão de pecados
mas, realmente, o concedeu. A cura do paralítico, após Jesus ter perdoado seus
pecados, foi uma prova de que “o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para
perdoar pecados” (Mc 2.10). o fato de que os escribas acusaram Jesus de
blasfêmia nesta ocasião, uma vez que - assim argumentavam -, somente Deus pode
perdoar pecados, indicou que eles não perceberam que o Reino de Deus realmente
estava presente entre eles. Eles não se deram conta de que “A presença do Reino
de Deus não era um novo ensino de Deus: era uma nova atividade de Deus na
pessoa de Jesus, trazendo aos homens, como uma experiência presente, o que os
profetas prometeram no Reino escatológico”18.
Relacionado com os sinais da presença do Reino,
dever-se-ia relembrar que a vinda do Reino não significou um fim para o
conflito entre bem e mal. Continuará a haver conflito e oposição entre o Reino
de Deus e o Reino do mal através da história, e neste conflito o povo de Deus
será convocado ao sofrimento. Na verdade, a antítese entre estes dois reinos, é
até intensificada pela vinda de Cristo. Não nos disse Jesus: “Não penseis que
vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34)?
O que há de maior interesse na área da escatologia a
respeito do Reino é a questão sobre se o Reino de Deus, nos ensinos de Jesus e
dos apóstolos, era considerado uma realidade presente ou uma realidade futura,
ou ambas. Esta questão tem sido objeto de muito debate. Será relembrado que
alguns eruditos vêem o Reino como exclusivamente futuro, outro o vêem como
exclusivamente presente e outros, ainda, o entendem tanto como presente quanto
como futuro. Faremos jus a todos os dados bíblicos apenas quando concebermos o
Reino de Deus tanto presente como futuro.
Jesus ensinou claramente que o Reino de Deus já estava
presente em seu ministério. Mateus 12.18 foi citado anteriormente: “Se, porém,
eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o Reino de
Deus sobre vós” (cp. Lc 11.20). O verbo grego usado aqui, ephthasen,
significa chegou ou veio, e não está para vir. O ponto é
que a expulsão de demônios, por parte de Jesus, é prova de que o Reino chegou,
uma vez que não se pode saquear os bens de um homem forte sem primeiro ter
amarrado o homem forte (aqui significando o demônio). Outra passagem que ensina
claramente a presença do Reino nos dias de Jesus é a de Lc 17.20-21. Os
fariseus tinham acabado de perguntar a Jesus sobre quando viria o Reino de Deus
- significando, supomos, uma demonstração dramática do forte poder de Deus que
iria arrasar os romanos e estabelecer o reinado de Deus sobre o mundo de
maneira fisicamente visível. Jesus responde como segue: “Não vem o Reino de
Deus como visível aparência, nem dirão: ei-lo aqui! Ou: lá está! Porque o Reino
de Deus está no meio de vós” 19.
Estas palavras não deveriam ser forçadas a significar que não há “sinais
dos tempos”, ou sinais da segunda vinda de Cristo, aos quais nós devemos estar
alertas, porque o próprio Jesus fala destes sinais em outras ocasiões. O que
Jesus está dizendo é que ao invés de aguardar sinais espetaculares exteriores
da presença de um Reino, primeiramente político, os fariseus devem perceber que
o Reino de Deus está no meio deles agora, na pessoa do próprio Cristo, e que a
fé nele é necessária para entrar nesse Reino.
Algumas das parábolas de Jesus implicam que o Reino já
está presente. As parábolas do tesouro escondido e da pérola de grande valor
(Mt 13.44-46) ensinam que agora o homem deve vender tudo o que possui para
entrar no Reino. As parábolas do construtor da torre e do rei saindo a guerrear
(Lc 14.28-33) ensinam a importância de calcular o custo antes de entrar no
Reino, novamente implicando que o Reino está agora presente. No sermão do
monte, além disso, as bem-aventuranças descrevem o tipo de pessoa de quem se
pode dizer: “deles é (estin) o Reino dos céus” (Mt 5.3-10). Quando os
discípulos fazem uma pergunta a Jesus acerca de quem é o maior no Reino dos
c[eus, Jesus convida uma criança a integrar o grupo e diz: “Aquele que se
humilhar, como esta criança, este é o maior no Reino dos céus” (Mt 18.4). e
quando os discípulos repreendem aqueles que estão trazendo crianças a Jesus, o
Mestre diz: “Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos
tais é (estin) o Reino dos céus” (Mt 19.14). Podemos acrescentar que os
sinais previamente mencionados (expulsão de demônios, realização de milagres, a
pregação do Evangelho e a concessão do perdão de pecados) também evidenciam o
fato de que o Reino está presente no ministério de Jesus 20.
Jesus, entretanto, também ensinou que havia um sentido
no qual o Reino de Deus ainda era futuro. Podemos ver, primeiramente, algumas
declarações específicas com esta finalidade. A seguinte passagem do sermão do
monte descreve a entrada do Reino como algo ainda futuro e a combina com um
futuro dia do juízo: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no Reino
dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos,
naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura não temos nós
profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome
não fizemos milagres? Então lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci.
Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade” (Mt 7.21-23). Verbos no
tempo futuro são igualmente usados na seguinte declaração, que fala claramente
acerca de um Reino futuro: “Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente
e tomarão lugares com Abraão, Isaque e Jacó no Reino dos céus. Ao passo que os
filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger
de dentes” (Mt 8.11-12).
Muitas das parábolas ensinam uma consumação futura do
Reino. A parábola das bodas indica um tempo futuro de bênçãos para aqueles que
aceitam o convite, mas num lugar de punição, nas trevas exteriores, para
aqueles que falham em preencher todos os requisitos (Mt 22.1-14). A parábola do
joio e sua explicação (Mt 13.24-30 e 36-43) falam da “consumação do século” (synteleia
tou aionos) quando os que praticam a iniqüidade serão lançados na fornalha
acesa e quando os justos “resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai”. A
parábola da rede (Mt 13.47-50) descreve, de modo semelhante, a “consumação do
século” (synteleia tou ainos), quando “sairão os anjos e separarão os
maus dos justos”. Na parábola das dez
virgens (Mt 25.1-13) aprendemos acerca da demora do noivo, acerca de um grito à
meia-noite, e sobre algumas que entraram com o noive para a festa das bodas
e outras para quem a porta estava
permanentemente cerrada. A parábola termina com uma advertência tipicamente
“escatológica”: “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora” (v.13). e a
parábola dos talentos (Mt 25.14-30) fala acerca de um homem que fez uma jornada
e ficou fora por muito tempo, acerca de um ajuste final de contas, e acerca de
alguns que foram convidados a entrar no gozo de seu Senhor e outros que foram
expulsos para as trevas exteriores.
Não seria difícil fornecer mais evidências. Pelo que
já foi citado, fica claro que o Reino de Deus, no ensino de Jesus, era tanto
presente como futuro. Tentar negar qualquer aspecto desta doutrina é adulterar
a evidência 21.
O apóstolo Paulo também pensava que o Reino de Deus
era tanto presente como futuro. Algumas de suas declarações descrevem
claramente o Reino de Deus como estando presente. Em 1 Coríntios 4, Paulo está
escrevendo acerca de alguns inimigos seus arrogantes, que pensam que ele não
está vindo para Corinto: “Mas em breve irei visitar-vos, se o Senhor quiser, e
então conhecerei não a palavra, mas o poder dos ensoberbecidos. Porque o Reino
de Deus consiste não em palavra mas em poder” (vs. 19,20). Obviamente, Paulo
não está pensando a respeito de um Reino futuro, mas acerca de um Reino que é
presente agora. De modo semelhante Paulo fala a seus leitores em Roma: “Porque
o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no
Espírito Santo” (Rm 14.17). E em uma de suas últimas epístolas ele descreve a
seus irmãos em Colossos: “Porque ele [Deus] nos resgatou do domínio das trevas
e nos trouxe para dentro do Reino do Filho que ele ama, no qual temos a
redenção, o perdão dos pecados” (Cl 1.13-14, NIV). Uma vez que desfrutamos
agora do perdão dos pecados, está claro que o Reino do qual Paulo fala aqui é
um Reino ao qual nós temos o privilégio de pertencer desde agora.
Mas há também passagens nas quais Paulo retrata o
Reino como futuro. Em 2 Tm 4.18, Paulo escreve: “O Senhor me livrará de cada
ataque maligno e trazer-me-á a seu Reino celestial em segurança” (NIV). Tanto a
expressão “Reino celestial” como o tempo futuro do verbo traduzido “trazer-me-á
em segurança” (sosei) indicam que Paulo, aqui, está pensando acerca do Reino
futuro. A palavra herdarão (kleronomeo) sugere um benefício que será
recebido em algum tempo futuro. Quando Paulo utiliza este verbo, para indicar
que certas pessoas serão excluídas do Reino de Deus, ele está obviamente
referindo-se ao Reino no sentido futuro: “Ou não sabeis que os injustos não
herdarão o Reino de Deus?” (1 Co 6.9); “eu vos declaro, como já outrora vos
preveni que não herdarão o Reino de Deus os que tais coisas praticam [as obras
da carne]”(Gl 5.21). Em Ef 5.5 ele utiliza o substantivo derivado deste verbo
para fazer uma declaração semelhante: “Sabei, pois, isto: nenhum incontinente,
ou impuro, ou avarento, que é idólatra, tem herança no Reino de Cristo e de
Deus”. E em 1 Co 15.50, Paulo descreve: “Isto afirmo, irmãos, que carne e
sangue não podem herdar o Reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção”.
Uma vez que ele está falando aqui acerca da ressurreição do corpo, fica claro
que o Reino de Deus é também aqui considerado como ume estado de coisas que
ainda é futuro.
Resumindo, então, podemos dizer que o Reino de Deus,
tanto no ensino de Jesus como no do apóstolo Paulo é uma realidade tanto
presente como futura. Por causa disso, nossa compreensão do Reino precisa fazer
jus a ambos estes aspectos. George Eldon Ladd dá ênfase à importância de vermos
estes dois aspectos: “A tese central deste livro [The Presence of the Future (A
Presença do Futuro)] é que o Reino de Deus é o reinado redentor dinamicamente
ativo de Deus para estabelecer seu governo entre os homens, e este Reino, que
aparecerá no final da era como um ato apocalíptico, já entrou na história
humana na pessoa e missão de Jesus para vencer o mal, para libertar os homens
do poder do mal e para trazê-los para as bênçãos do reinado de Deus. O Reino de
Deus envolve dois grandes momentos: cumprimento dentro da história e consumação ao fim da história” 22.
Herman Ridderbos salienta um ponto semelhante. Ele sugere que, no começo de seu
ministério, Jesus deu mais ênfase à presença do Reino em cumprimento à profecia
do Antigo Testamento, ao passo que, mais para o fim de seu ministério, ele deu
maior destaque à vinda futura do Reino 23. Entretanto, Ridderbos
insiste em que os aspectos presentes e futuro do Reino nunca devem ser
separados:”... Porque o futuro e o presente estão indissoluvelmente conectados
na pregação de Jesus. Um é o complemento necessário do outro. A profecia acerca
do futuro só pode ser vista corretamente do ponto de vista da presença
cristológica, assim como o caráter do presente implica a necessidade e certeza
do futuro”24.
Notas
18. Ibid., p.215.
19. A leitura grega é entos hymon. Outras
traduções da expressão incluem: “dentro de vós” (RSV margem ASV texto), e
“entre vós” (NIV margem).
20. Veja também Ladd, Presence, pp. 149-217;
Ridderbos, Coming, pp. 47-56; Norman Perrin, The Kingdom of God in
The Teaching of Jesus (O Reino de Deus no Ensino de Jesus), pp. 74-78.
21. Cp. Ladd, Presence, pp.
307-328; Ridderbos, Coming, pp.36-56, esp. 55,56; Perrin, op.cit.,
pp.83-84.
22. Ladd, Presence, p.218.
23. Ridderbos, Coming, p.468.
24. Ibid., pp. 520,521.
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