A Série "O Reino de Deus" faz parte do capítulo 04 do Livro "A Bíblia e o Futuro" de Anthony Hoekema. Estarei postando este capítulo de forma fracionada por entender que realmente há uma necessidade de uma maior compreensão do Reino de Deus tanto no presente quanto no porvir.
Encontramos uma equiparação similar entre Cristo e o
Reino no livro de Atos. Filipe é descrito como alguém “que os evangelizava a
respeito do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo” (At 8.12). E Paulo é
descrito no último versículo do livro de Atos como “pregando o Reino de Deus e
ensinando acerca do Senhor Jesus Cristo” (At 28.31, RSV).
Passagens desse tipo talvez ajudem a explicar porque
não lemos tanto acerca do Reino de Deus nas Epístolas quanto nos Evangelhos.
Nos escritos de Paulo, na verdade, o termo reino é encontrado apenas
treze vezes, e nas Epístolas não-paulinas ele é encontrado apenas cinco vezes.
Isto não significa, entretanto, que os Apóstolos não ensinavam ou pregavam o
Reino. O comentário de Karl Ludwig Schimidt é útil aqui: ‘Desta forma, podemos ver porque a Igreja apostólica é
pós-apostólica do NT não falava muito do basileia tou theou (Reino de
Deus) explicitamente, mas sempre o enfatizou implicitamente através de sua
referência ao kyrios lesous Christos (= O Senhor Jesus Cristo). Não é
verdade que ele agora colocou a Igreja em lugar do Reino pregado por Jesus de
Nazaré. Pelo contrário, a fé no Reino de Deus persiste na experiência de Cristo
pós-Páscoa” 8.
Deveríamos dizer, neste ponto, algo a respeito da
distinção entre Reino de Deus e Reino dos céus. Somente Mateus
usa a última expressão; em todas as outras partes do Novo Testamento
encontramos Reino de Deus (com variações ocasionais como Reino de
Cristo ou Reino de nosso Senhor). Embora alguns tenha tentado encontrar uma diferença
de sentido entre estas duas expressões, deve ser mantido que Reino dos céus e Reino de Deus são sinônimos em seu
significado. Uma vez que os judeus evitavam o uso do nome divino, na prática
judaica ulterior, a palavra céus era usada freqüentemente como um
sinônimo para Deus; porque Mateus estava escrevendo primeiramente para leitores
judeus, podemos entender sua preferência por esta expressão (embora até Mateus
utilize o termo Reino de Deus quatro vezes). A expressão malkuth
shamayim (reino dos céus) é encontrada na literatura judaica
ulterior; a frase que Mateus geralmente utiliza, basileia ton ouranon
(reino dos céus), é uma tradução grega literal desta expressão hebraica. Uma
vez que as expressões Reino dos céus e Reino de Deus são
intercambiáveis nos sinóticos, podemos concluir seguramente que não há
diferença de significação entre as duas.
Como deveremos definir o reino de Deus? Esta não é uma
tarefa fácil, especialmente porque o próprio Jesus nunca forneceu uma definição
do reino. Também não encontramos tal definição nos escritos apostólicos; as
palavras de Paulo em Rm 14.17: “Porque o reino de Deus não é comida nem bebida,
mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”, mesmo que úteis e
esclarecedoras, não são exatamente uma definição. Deveremos ter de agir indutivamente.
Georg Eldon Ladd indica que os Evangelhos nem sempre
falam da mesma maneira acerca do Reino; ele encontra pelo menos quatro usos
distintos da expressão 9.
Muitos eruditos bíblicos têm enfatizado um ou outro
significado, freqüentemente refletindo sua posição teológica particular.
Naturalmente, é também bem possível que as diferentes maneiras pelas quais
Jesus e os Apóstolos falaram sobre o Reino representem facetas diversas de uma
única, porém complexa idéia.
Ao procurarmos o significado central do Reino, a
primeira questão a ser colocada é se o Reino vigora sobre um setor ou
território sobre o qual Deus governa, ou sobre o Reino ou governo de Deus como
tal. A concepção mais amplamente aceita do Reino de Deus é que seu significado
principal é o Governo ou Reino de Deus mais do que um território sobre o qual
ele governe. Ladd menciona dezoito fontes recentes que representam o Reino como
o Governo ou Reinado de Deus 10. Ele cita uma porção de passagens do
Novo Testamento, tanto dos Evangelhos como de fora deles, que trazem o
pensamento de que o Reino é o Reino de Deus 11. Embora
ocasionalmente o termo “reino” tenha conotação de espaço, ao referir-se a uma
ordem de coisas ou a um estado de paz e felicidade, normalmente ele descreve o
Reinado de Deus sobre o seu povo.
Não há dúvida de que o primeiro
significado, especialmente o de domínio como o exercício da dignidade
real, é pronunciamentos centrais acerca do “Reino dos Céus” nos Evangelhos.
Então, o significado espacial do Reino é secundário. Quando o texto diz que basileia
ton ouranon “está próximo”... não deveríamos pensar primeiramente em uma
entidade espacial ou estática que esteja descendo dos céus, mas antes em um
governo real divino que de fato e efetivamente começa sua operação; por causa
disso, devemos pensar na ação divina do rei 12.
... O Reino dos Céus pregado por João e
Jesus é antes de tudo um processo de caráter dinâmico... Pois a vinda do Reino
é o estágio inicial do grande drama da história do fim 13.
Portanto,
o Reino de Deus deve ser entendido como o Reinado dinamicamente ativo de Deus
na história humana através de Jesus Cristo, cujo propósito é a redenção do povo
de Deus do pecado e de poderes demoníacos, e o estabelecimento final dos novos
céus e nova terra. Isto significa que o grande drama da história da salvação
foi inaugurado e que a nova era foi instaurada 14. O Reino não deve
ser entendido como apenas a salvação de certos indivíduos ou mesmo como o Reino
de Deus no coração de seu povo; não significa nada menos que o Reino de Deus
sobre todo o seu universo criado. “O Reino de Deus significa que Deus é Rei e
age na história para trazer a história a um alvo divinamente determinado”15.
Fica
evidente, portanto, que o Reino de Deus, como descrito no Novo Testamento, não
é um estado de atividade realizada através de conquistas humanas, nem a
culminação de esforços humanos extenuantes. O Reino é estabelecido pela graça
soberana de Deus e suas bênçãos devem ser recebidas como dons dessa graça. A
tarefa do homem não é trazer o Reino para a existência, mas nele ingressar pela
fé, e orar para que ele seja mais e mais capacitado a submeter-se ao governo
beneficente de Deus, em todas as áreas de sua vida. O Reino não é a escalada
ascendente do homem para a perfeição mas a irrupção de Deus na história humana
para estabelecer seu Reinado e para levar adiante seus propósitos 16.
Dever-se-á
acrescentar que o Reino de Deus inclui tanto um aspecto positivo como um
negativo. Ele significa redenção para aqueles que o aceitam e nele ingressam
pela fé, e juízo para aqueles que o
rejeitam. Jesus deixa isto muito claro em seus ensinos, especialmente em suas
parábolas. Aquele que ouve as palavras de Jesus, e as pratica, é como um homem
que constrói sua casa sobre a rocha, enquanto aquele que ouve as palavras de
Jesus, mas não as pratica, é semelhante ao homem que constrói sua casa sobre a
areia - e grande foi a sua queda (Mt 7.24-27). Aqueles que aceitam o convite
para as bodas, se regozijam e estão felizes, enquanto que aqueles que rejeitam
o convite são entregues à morte, e o homem sem as vestes nupciais é lançado
fora nas trevas (Mt 22.1-14). Na verdade, porque a nação de Israel, como um
todo, rejeitou o Reino, Jesus disse que o Reino de Deus seria tirado deles e
dado a uma nação que produzisse seus frutos (Mt 21.43). O propósito primeiro do Reino de Deus é a salvação, no
sentido integral da palavra, daqueles que nele ingressam - porque “Deus não
enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para salvar o mundo
através dele” (Jo 3.14, NIV). Mas aqueles que rejeitam e desprezam o Reino
receberam o maior julgamento: “Todo o que cair sobre esta pedra [a pedra
angular, que é Jesus Cristo] ficará em pedaços’; e aquele sobre quem ela cair,
ficará reduzido a pó” (Lc 20.18)
Quais
são os sinais da presença do Reino? Um destes sinais é a expulsão de
demônios por Jesus. Quando Jesus fez isto, mostrou que ele havia
conquistado uma vitória sobre os poderes do mal e que, por causa disto, o Reino
de Deus tinha chegado. O próprio Jesus salientou isto, quando disse aos
fariseus que argumentavam que ele estava expulsando demônios por Belzebu, o
príncipe dos demônios: “Se, porém, eu expulso os demônios pelo Espírito de
Deus, certamente é chegado o Reino de Deus sobre vós” (Mt 12.28).
Um
outro sinal é a queda de Satanás. Quando os setenta retornaram de sua
missão, dizendo que até os demônios se sujeitavam a eles em nome de Cristo,
Jesus é citado dizendo: “Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc
10.18). Não há dúvida de que estas palavras devem ser interpretadas
figuradamente, não literalmente. Elas significam que “a vitória sobre Satanás”,
que o pensamento judaico situava conjuntamente no fim da era, aconteceu na
história, em certo sentido, na missão de Jesus”17. Podemos dizer
que, nessa época, o poder do Reino de Deus entrou na história humana através do
ministério dos discípulos - um ministério, entretanto, que estava baseado na
vitória que Jesus já tinha conquistado sobre Satanás. Resta dizer que esta
vitória sobre Satanás, embora decisiva, ainda não é final, uma vez que Satanás
continua ativo durante o ministério subseqüente de Jesus (Mc 8.33; Lc 22.3 e
31). O que de fato aconteceu durante o ministério de Jesus foi uma espécie de
amarração de Satanás (veja Mt 12.29 e compare com Ap 20.2) - isto é, uma
restrição de suas atividades. Que tipo de restrição isto envolveu nos veremos
mais adiante.
Notas
8. K. L. Schmidt, “basileia”
, TDNT, I, p.589.
9. Ladd, Presence, p. 123
10. Ibid., p.127 n. 11.
11. Ibid., pp. 134-138.
12. H. Ridderbos, The Coming of
the Kingdom (A Vinda do Reino) Philadelphia: Presbyterian and Reformed,
1962, pp. 24-25.
13. Ibid., p. 27.
14. Ibid., ps.
XXVII, 29; Ladd, Presence, p.42.
15. Ladd, Presence, p. 331.
16. Cp Schimidt op.cit.,
pp.584-585; Ridderbos, Coming, pp. 23-24.
17. Ladd, Presence, p. 157.
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