A Série "O Reino de Deus" faz parte do capítulo 04 do Livro "A Bíblia e o Futuro" de Anthony Hoekema. Estarei postando este capítulo de forma fracionada por entender que realmente há uma necessidade de uma maior compreensão do Reino de Deus tanto no presente quanto no porvir.
O Reino de Deus é o tema central da pregação de Jesus
e, por extensão, da pregação e ensino dos apóstolos. Foi mencionado
anteriormente que um dos eventos que o crente veterotestamentário aguardava era
a vinda do Reino de Deus, e que essa expectação estava conectada, especialmente
em Daniel, com o aparecimento futuro do Filho do Homem. A chegada do Reino de
Deus, portanto, bem como sua permanência e consumação final, deve ser vista
como um aspecto essencial da escatologia bíblica. Georg Ladd faz o seguinte
comentário: “Uma vez que a missão histórica de Jesus é vista pelo Novo
Testamento como um cumprimento da promessa vétero-testamentária, toda a
mensagem do Reino de Deus incorporada nos atos e palavras de Jesus pode ser
incluída na categoria da escatologia” 1.
Como podemos verificar no levantamento histórico
encontrado no apêndice, o Reino de Deus é um conceito extremamente importante
nas discussões escatológicas modernas. Ritschl, Harnack e C.H. Dodd consideram
o Reino, no ensino de Jesus, como exclusivamente presente, enquanto que homens
como Weiss, Schweitzer e Moltmann ensinavam que o reino era exclusivamente
futuro. Ainda outros eruditos bíblicos, como Geerhardus Vos e Oscar Cullmann, viam
o Reino tanto como presente quanto como futuro - presente em um sentido e
futuro em outro 2. Para
chegarmos a uma avaliação destes pontos de vista conflitantes, deveremos ter de
examinar, cuidadosamente, o conceito do Reino de Deus.
No início do Novo Testamento, ouvimos João, o Batista,
e Jesus, ambos anunciando a vinda do Reino de Deus. João Batista veio pregando
no deserto da Judéia, dizendo: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos
céus” (Mt 3.2) 3. João exortava seus ouvintes, preparando para a
vinda deste Reino, que seria inaugurado pelo Messias, designado apenas como “O
que Haveria de Vir”. João viu a missão d Aquele que Haveria de Vir como sendo
primeiramente de separação: aqueles que se arrependessem ele salvaria, e
julgaria os que não se arrependessem. João, na verdade, “esperava essa dupla
obra messiânica acontecer em um evento escatológico único” 4. Ele tinha pregado que o Messias vindouro iria
tanto “recolher o seu trigo no celeiro” como queimar a palha em fogo
inextinguível (Mt 3.12). Quando João estava na prisão, começou a refletir sobre
o fato de que, embora tivesse visto Jesus realmente recolhendo trigo, não o
vira queimando palha. Isso levou João a enviar seus discípulos a Jesus, e a
perguntar: “És tu aquele que estava para vir, ou havemos de esperar outro?” (Mt
11.3). Na resposta, Jesus citou profecias do Antigo Testamento que estavam
sendo cumpridas em seu ministério; profecias acerca dos cegos recebendo sua
visão e dos coxos sendo reabilitados (vs 4-5). As palavras de Jesus implicavam
que a fase de julgamento de seu ministério, como João a tinha descrito, deveria
vir mais tarde; assim temos aqui a primeira alusão ao fato de que a primeira
vinda do Messias deveria ser seguida por uma segunda - um fato que João não tinha entendido claramente.
Jesus também anunciou a vinda do Reino, em palavras
que soavam semelhantemente àquelas de João Batista: “O tempo está cumprido e o
Reino de Deus está próximo 5; arrependei-vos e credes no evangelho”
(Mc 1.15). Porém, embora as pregações de João Batista e de Jesus soassem como
semelhantes, havia uma diferença básica entre elas. A chave para a diferença é
encontrada nas palavras de Jesus: “O tempo está cumprido”. Enquanto João tinha
dito que o Reino estava para vir na pessoa daquele que Haveria de Vir, Jesus
disse que o tempo predito pelos profetas agora estava cumprido (Lc 4.21), e que
o Reino agora estava presente na sua própria pessoa. Dessa forma, por exemplo,
Jesus podia dizer o que João Batista nunca falou: “O Reino de Deus é chegado
sobre vós” (Mt 12.28; Lc 11.20) 6.
Por esta razão, então, Jesus pode falar acerca de João Batista: “Entre
os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista; mas o menor
no Reino dos céus é maior do que ele” (Mt 11.11). João foi o precursor do Reino,
mas ele próprio ficou do lado de fora dele; ele anunciou a nova ordem de
coisas, mas não era ele próprio parte dela. Ladd descreve da seguinte maneira a
diferença entre as pregações do Reino por João Batista e por Jesus: “João tinha
anunciado uma visitação iminente de Deus, o que significaria o cumprimento da
esperança escatológica e a vinda da era messiânica. Jesus proclamou que essa
promessa estava de fato sendo cumprida... Ele anunciou, corajosamente, que o
Reino de Deus tinha vindo a eles... A promessa foi cumprida na ação de Jesus:
em sua proclamação das boas novas para os pobres, liberdade para os cativos,
visão restaurada para o cego, libertando aqueles que eram oprimidos. Isso não
era uma teologia nova ou nova idéia ou nova promessa; era um novo evento na
história” 7.
Podemos dizer, portanto, que Jesus mesmo inaugurou o
Reino de Deus cuja vinda tinha sido predita pelos profetas do Antigo
Testamento. Por causa disso, nós devemos ver o Reino de Deus sempre como
indissoluvelmente ligado à pessoa de Jesus Cristo. Nas palavras e feitos de
Jesus, milagres e parábolas, ensino e pregação, o Reino de Deus estava
dinamicamente ativo e presente entre os homens.
Às vezes, nos Evangelhos, o nome de Cristo é igualado
com o Reino de Deus. Isto será evidente se olharmos para as passagens
paralelas, nos Sinóticos, que tratam da história do jovem rico. Em resposta à
pergunta de Pedro: “Eis que nós tudo deixamos e te seguimos: que será, pois, de
nós?” (Mt 19.27), Jesus diz: “Todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos,
ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou campos, por causa do meu nome,
receberá muitas vezes mais e herdará a vida eterna” (v.29). No paralelo, em
Marcos, Jesus fala de deixar todas estas coisas “por causa do Reino de Deus”
(Lc 18.29).
Notas
1. Ladd, Presence, pp. 325-326.
2. Veja adiante.
3. A palavra grega usada aqui é eggiken.
4. Ladd, Presence, p. 108.
5. Novamente a palavra grega é eggiken.
6. Aqui a palavra grega é ephthasen, do
verbo phthanein, que significa
“chegar”
7. Ladd, Presence, pp.
111-112.
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