Na teologia reformada o ordo
salutis adquiriu forma um tanto diferente. Isso se deve ao fato que
Calvino consistentemente partia da eleição eterna e da união mística
estabelecida no pactum salutis. Sua posição fundamental era que não existe
participação nas bênçãos de Cristo, exceto por meio de uma viva união com o
Salvador. E se até mesmo a primeiríssima das bênçãos da graça salvadora já
pressupõe a união com Cristo, então o dom de Cristo à Igreja e a imputação de
Sua justiça antecedem a tudo mais. No Conselho da Paz, já fora firmada a união
entre Ele e aqueles que Lhe foram dados pelo Pai e, em virtude dessa união, que
tem aspectos tanto legais quanto místicos, todas as bênçãos da salvação já eram,
idealmente, a porção daqueles que são de Cristo. Elas estavam adredemente
preparadas, sendo apropriadas por eles por meio da fé.
Dessa posição fundamental,
seguem-se diversos fatos particulares. A salvação dos eleitos não é concebida
atomisticamente, já que estão todos eternamente em Cristo, e vão nascendo
d’Ele, que é a Cabeça, como membros de Seu corpo místico. Regeneração,
arrependimento e fé não são tidos como meros passos preparatórios, inteiramente
à parte de qualquer união com Cristo, e nem como condições que devem ser
preenchidas pelo homem, no todo ou em parte, com as suas próprias forças.
Antes, são bênçãos do pacto da graça, o qual já flui da união mística e da
outorga de Cristo à Igreja. A penitência assume lugar e caráter diferentes do
que se vê na ordem luterana. Calvino reconhecia que certo arrependimento
antecede à fé, mas via nisso tão-somente um temor inicial, um arrependimento
legal que não conduz necessariamente à fé e nem pode ser reputado como
preparação essencial e absoluta para a mesma. Ressaltou ele o arrependimento
que flui da fé, que é possível exclusivamente em comunhão com Cristo, e que
assim prossegue pela vida inteira. Além disso, ele não o considera como
consistente de contritio e de fides. Ele reconheceu a íntima
conexão entre o arrependimento e a fé, e não admitia que o primeiro pudesse
existir sem esta última; por outro lado também apontou o fato que as Escrituras
distinguem claramente as duas coisas, e desse modo atribuiu a cada uma delas
uma significação mais independente, dentro da ordem de salvação.
No entanto, ainda que Calvino
diferisse de Lutero quanto à ordem de Salvação, concordava plenamente com ele
sobre a natureza e importância da doutrina da justificação pela fé. Em sua
comum oposição a Roma, ambos descreviam a justificação como um ato da livre
graça, como um ato forense que não altera a vida íntima do homem, mas apenas a
relação judicial na qual o homem está para com Deus. Não acham eles a base da
justificação na retidão inerente ao crente, porém tão-somente na imputada
retidão de Jesus Cristo, e da qual o pecador se apropria pela fé. Outrossim,
negam ambos que se trate de uma obra progressiva de Deus, asseverando que ela é
instantânea e é completada num ápice, afirmando ainda que o crente pode ter
certeza absoluta de haver sido transladado de um estado de ira e condenação
para um estado de favor e aceitação.
A teologia luterana nem sempre
se mostrou totalmente fiel à citada posição. Às vezes a fé é apresentada como
uma obra básica para a regeneração; e os teólogos medianeiros fundamentam a
justificação sobre a insuflada retidão de Jesus Cristo.
CONCEPÇÃO SECUNDÁRIAS DA ORDEM
DE SALVAÇÃO
Antinomiana. Os
antinomianos realmente não dão lugar para alguma aplicação subjetiva da
redenção efetuada por Cristo. Eles não distinguem entre a obra de Cristo que
granjeou as bênçãos da graça salvadora, e aquela do Espírito Santo que as
aplica. Falam como se Cristo tivesse feito tudo quanto é mister, como se Ele
tivesse tomado sobre Si não só nossa culpa, e sim também nossa polução, pelo
que somos justificados, regenerados e santificados — em suma, ficamos perfeitos
n’Ele. Em vista do fato que o homem é subjetivamente reto e santo em Cristo, o
único requisito é que o homem creia, isto é, tome consciência desse fato. Pode
estar seguro de que Deus não vê nele pecado, como crente. Seus supostos pecados
não são verdadeiros pecados, mas meras obras do velho homem, que não lhe são
lançados na conta, pois está livre da lei, é perfeito em Cristo e se gloria na
graça de Deus. Ocasionalmente, vão os antinomianos além desse ponto, dizendo
que Cristo realmente não conquistou a salvação pelos Seus méritos, pois esta já
estava eternamente preparada no conselho de Deus, porém simplesmente nos
revelou o amor de Deus. O ato de crer consiste apenas de pôr de lado a falsa
noção de que a ira de Deus está acesa contra nós. Ideias assim medraram entre
alguns anabatistas[1],
entre os libertinos[2],
entre os hattemistas[3]
e entre certas seitas da Inglaterra e da Nova Inglaterra.
Mística. Na
Alemanha, na Inglaterra e na Holanda levantou-se grande número de pregadores
que buscavam o fator essencial da vida cristã na experiência, frisando o fato
que a verdadeira fé consiste de experiência. Demoravam-se sobre o que alguém
precisa experimentar antes de poder ser considerado crente verdadeiro, e nisso
foram guiados primariamente, não pelo ensino das Escrituras, e sim pelas
experiências daqueles que eram reputados “carvalhos da retidão”. Diziam que a
lei deveria ser pregada para todos, entretanto, que o evangelho visa somente a
certos pecadores “qualificados”. E antes que os homens realmente possam crer
que são filhos de Deus, precisam ser trazidos para debaixo dos terrores da lei,
têm de atravessar conflitos agonizantes, têm de sentir os reclamos acusadores
da consciência, e têm contorcer-se nos espasmos de temível antecipação da
condenação eterna. Não lhes era permitido crer sem alguma garantia especial do
Espírito Santo, e mesmo então sua fé a princípio poderia ser apenas a fé que
busca refúgio em Cristo, a fome e a sede pela justiça. Essa fé antecede a
justificação e é a condição dela; nela o pecador se confia a Cristo, a fim de
ser justificado. Essa fé que busca refúgio não se toma imediatamente em fé
firme. Há grande distância entre as duas, e só depois de muito subir e descer,
após todas as formas de dúvida e incerteza, e mediante muitos conflitos
espirituais, é que o crente passa para a certeza da salvação — privilégio de
uns poucos escolhidos. Essa certeza com frequência vem ao crente de modo
especialíssimo, por meio de uma voz, de uma visão, de uma palavra da Bíblia, ou
por outros meio semelhantes.
[1] Anabaptistas ou Anabatista
("re-batizadores", do grego ανα (novamente) + βαπτιζω (baptizar); em
alemão: Wiedertäufer) são cristãos sectários do Anabatismo, a chamada "ala
radical" da Reforma Protestante. Os Anabatistas não formavam um único
grupo ou igreja, pois havia diversos grupos chamados genericamente de
"anabatistas" com crenças e práticas diferentes e divergentes. Eles
foram assim chamados porque os convertidos eram baptizados apenas na idade
adulta, por isso, eles re-baptizavam todos os seus prosélitos que já tivessem
sido baptizados quando crianças, pois creem que o verdadeiro baptismo só tem
valor quando as pessoas se convertem conscientemente a Cristo. Desta forma os
anabatistas desconsideravam tanto o batismo católico quanto o batismo dos protestantes
luteranos, reformados e anglicanos.
[2] “Calvino referiu “Calvino referiu-se em uma de suas
cartas ao partido se em uma de suas cartas ao partido dos libertinos na igreja
de Genebra, que usavam a ‘comunhão dos santos’ para a troca de esposas. Falando
sem rodeios, os rodeios, os neolibertinos neolibertinos presentes nas igrejas
evangélicas presentes nas igrejas evangélicas
defendem o sexo antes do casamento, a multiplicidade de Classe de Casais parceiros, as relações
homossexuais, a troca de esposas e maridos,
a pornografia, as aventuras amorosas fora do casamento, o consumo exagerado de bebidas
alcoólicas, a participação dos cristãos
nas diversões mundanas e a absorção dos
valores deste mundo no vestir, trajar, viver e andar.” (Augustus
Nicodemus Lopes “O Que Estão Fazendo com a Igreja?”)
[3] Hattemistas seitas obscuras concentradas na Holanda no
principio do 18° século, tendo por chefe S. Verschoor, natural de Flessinga em
1680.
Extraído do Livro "História das Doutrinas Cristãs" - Louis Berkhof
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