Muitos acusam Abraham Kuyper e o denominado
“Neocalvinismo” de introduzirem o mundanismo no seio da igreja quando
explicitam o conceito de Graça Comum e a doutrina do Mandato Cultural. Antes de
entrar no mérito da questão é importante fazer algumas considerações
conceituais e históricas, mesmo que introdutórias.
A alcunha “neo” adicionada ao termo calvinismo
refere-se ao movimento iniciado por Abraham Kuyper na Holanda, no século XIX,
ao contextualizar as doutrinas reformadas, mormente as calvinistas, à realidade
do seu período. Kuyper evidenciou algumas doutrinas que estavam nas entrelinhas
ou foram pouco comentadas por Calvino, como o conceito de Graça Comum e do
Mandato Cultural. A Graça Comum é definida, de modo geral, como as bênçãos de
Deus derramadas a todos os seres humanos, independentemente de suas crenças. O
favor de Deus para com todos os seres humanos limita a atuação do pecado no
mundo e distribuí diversos dons e talentos para a humanidade. Já a doutrina do
Mandato Cultural é conceituada como o mandamento de Deus proferido ao homem,
nos capítulos iniciais de Gênesis, para dominar e sujeitar a natureza, e
cultivar e guardar o jardim. Este mandato está diretamente relacionado à ideia
de produzir cultura, envolvendo todas as esferas sociais da humanidade.
Após estas considerações iniciais, adentremos ao
questionamento aduzido pelos críticos do Neocalvinismo contra as doutrinas
supracitadas. A crítica baseia-se, de modo geral, que a introdução destes
conceitos leva a igreja ao mundanismo. A ideia é que ao aceitarmos que os
ímpios podem realizar coisas boas e que os cristãos devem atuar na
transformação das estruturas sociais, estaremos negando a antítese existente
entre os filhos de Deus e os filhos da perdição, negando a doutrina da
depravação total e levando a igreja a um ativismo social, tirando o foco do
evangelismo e do segundo advento de Cristo.
Desculpe-me a expressão, mas estes argumentos são
uma completa tolice. Primeiro, a doutrina da Graça Comum, tão evidente nas
Institutas de Calvino, mesmo que não rotulada com este nome, não nega a
antítese, já que apenas reconhece que toda verdade procede de Deus. A negação
desta doutrina nos leva a muitos problemas, já que grandes feitos produzidos
por ímpios como a cura de doenças, técnicas avançadas de agricultura, grandes
obras literárias e etc, deverão ser, inevitavelmente, atribuídos à
pecaminosidade humana ou ao diabo, o que é ridículo. Calvino nos adverte em
suas Institutas que ao não reconhecermos a verdade aonde quer que ela esteja
estaremos correndo o risco de sermos insultuosos para com o Espírito Santo de
Deus. Segundo, dizer que a Graça Comum é contrária a doutrina da Depravação
Total é na verdade assinar um atestado de superficialidade com relação às
doutrinas Reformadas! A Depravação Total não afirma que tudo que é produzido
pelo ímpio é necessariamente mau e que o ser humano é absolutamente depravado,
mas que o pecado afetou todas as áreas da existência humana, tornando o ser
humano cego para a realidade de Deus, já que após a queda morremos
espiritualmente. O ímpio, pela graça de Deus, pode produzir coisas boas, mesmo
que por motivações equivocadas e não reconhecendo que seus talentos provêm de
Deus. Em terceiro lugar, o Mandato Cultural não leva ao mundanismo, ao
contrário, leva a “desmundanização” do mundo, perdoem-me o neologismo. Este
mandato não tem como objetivo transformar o mundo para acelerar a volta de
Cristo, como asseveram alguns, já que este foi proferido bem antes do primeiro
avento. O fulcro do Mandato Cultural é a reconciliação de todas as esferas da
vida, possibilitada pela obra vicária de Cristo, com a vontade original de Deus
para a sua criação. Logo, a busca do cumprimento deste mandato não leva a um
ativismo mundano da igreja, mas sim a verdadeira missão da fé cristã, que é a
glória de Deus! Esta missão envolve todas as esferas da vida humana, inclusive
o evangelismo. Devemos salientar que a busca por transformação não nos leva a
crença de conseguirmos um mundo perfeito aqui e agora, já que esta perfeição só
será alcançada na segunda vinda de Cristo. Entretanto, sabemos que o Reino de
Deus já é chegado e nós cristãos somos seus cidadãos e embaixadores, logo não
podemos nos conformar com as injustiças deste mundo, mas atuarmos, como base em
Cristo, para que todas as coisas glorifiquem a Deus. Não podemos fechar os
olhos para todo o mal existente e apenas esperarmos o segundo advento. Isto é
uma crueldade, já que as necessidades e os problemas são prementes.
Logo, estas doutrinas, ao contrário do que seus
críticos afirmam, não levam ao mundanismo, mas o evita, já que temos uma
compreensão de mundo integral, fundada no logos que é Jesus Cristo.
Nota do Editor do Blog:
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